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6 de julho de 2016

"Com Temer e Macri, de novo quintal dos EUA" por Emir Sader

A coordenação dos governos do Brasil e da Argentina no começo deste século, a partir do pleno entendimento entre Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, e entre Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, tinha funcionado como o eixo para fortalecer o Mercosul e expandir os processos de integração regional. Se constituíram a Unasul e a Celac, assim como o Conselho Sul-americano de Defesa e o Banco do Sul. 

A constituição da Celac representava, finalmente, o fim da Doutrina Monroe, cujo lema “A América para os (norte) americanos”, expressa na Organização dos Estados Americanos (OEA), que agrupa todos os países da América Latina e o Caribe, mais os Estados Unidos e o Canadá. Já a Celac agrupa apenas aos países da América Latina e do Caribe. 

A mudança de governo na Argentina e o governo interino do vice-presidente Michel Temer no Brasil estão promovendo uma reviravolta radical nesses processos. A Argentina solicitou e foi aceita como observadora da Aliança para o Pacífico. O ministro interino de Relações Exteriores do Brasil, José Serra, propôs rebaixar as alíquotas do Mercosul. Ao mesmo tempo que a posse de Nicolás Maduro na direção do Mercosul foi boicotada pelos governos da Argentina, do Paraguai e do Brasil, a tal ponto que a reunião que deveria se realizar para a posse do presidente da Venezuela foi cancelada. Maduro assumirá, mas com um Mercosul esvaziado.

Tudo caminha na direção da preparação da possibilidade de enfraquecer de tal maneira o Mercosul, afim de permitir que países membros dele possam ter acordos bilateriais com os outros países, muito particularmente com os Estados Unidos. Paralelamente, os governos da Argentina e do Brasil mudam posições históricas assumidas por seus governos, na direção de posturas próximas daquelas dos Estados Unidos. Foi o caso da posição do governo Mauricio Macri em relação às Ilhas Malvinas, praticamente abandonando a reivindicação de que as ilhas sejam argentinas. O mesmo caso da posição do Brasil em relação à Palestina e a Israel, reaproximando-se deste e distanciando-se daquele.

Tudo soa como música aos ouvidos dos Estados Unidos. Do maior isolamento que havia vivido em relação ao continente, Washington passa a contar como aliados os três maiores países do continente , com o Brasil e a Argentina somando-se ao México.

É a situação da qual os Estados Unidos gozaram na última década do século passado, quando praticamente todos os países do continente tinham aderido, de forma totalmente subalterna, à condução norte-americana. Foi baseado nessa situação que Washington passou a implementar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que estenderia para todo o continente a relação que os Estados Unidos já tinham com o México e o Canadá, além de tratado bilateral de livre comércio, já assinado com o Chile.

O livre comércio é uma relação em que são canceladas todas as formas de proteção dos mercados internos, situação que favorece, obviamente, à economia mais forte. Nenhum tipo de proteção ambiental, por exemplo, é possível, porque cercearia o livre comércio, a livre circulação de capitais, o direito de investimento por parte de empresas estrangeiras ao se querer estabelecer formas de licença ambiental. Tampouco seriam possíveis políticas de cotas, porque alterariam a livre concorrência entre todos os candidatos em igualdade de condições.

A Alca estava na sua fase final, cabendo aos Estados Unidos e ao Brasil concretizar os acordos, quando Lula foi eleito presidente e mudou a política externa brasileira. O Brasil obstaculizou a assinatura da Alca, privilegiando os processos de integração regional, em primeiro lugar o Mercosul. Assim a Alca foi inviabilizada. Os Estados Unidos passaram a desenvolver acordos bilaterais com vários países do continente, entre eles o Peru, a Colômbia, o Panamá e a Costa Rica.

O Chile, a Colômbia, o Peru e o México constituíram a Aliança para o Pacífico, como alternativa de governos neoliberais ao Mercosul. A aproximação da Argentina desse bloco e um caminho similar que o governo golpista do Brasil poderia assumir, caso o golpe se concretize, mudaria radicalmente a configuração política do continente, a favor do neoliberalismo, do livre comércio e das posições subordinadas aos Estados Unidos.

Os discursos dos governos argentino e interino do Brasil já apontam para a retomada da posição tradicional de voltar a ser o pátio traseiro do império. Ganha assim mais importância ainda o desenlace da crise brasileira. Se o golpe se consolida, esse movimento se sedimenta e governos como os do Equador, da Bolívia, da Venezuela ficarão isolados, com ameaças reais contra seus governos atuais. Se, ao contrario, a democracia triunfa e o Brasil volta a assumir suas posições anteriores de soberania externa, haverá um contrapeso às posições argentinas, e aqueles governos poderão contar de novo com um forte aliado no continente.

Publicado originalmente no portal Carta Capital

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