Os designados a encaminhar o processo compõem, com todos os atributos necessários, a Comissão da Mentira (Foto: Geraldo Magela) |
Destaco
dois trechos da carta dirigida à Comissão Especial de Impeachment pela
presidenta afastada Dilma Rousseff, lida na sessão de 6 de julho por seu
advogado, José Eduardo Cardozo.
“Já
sofri a dor indizível da tortura, já passei pela dor aflitiva da doença e hoje
sofro a dor igualmente inominável da injustiça.”
“Na
minha vida, os que me conhecem sabem que incorri provavelmente em erros e
equívocos, de natureza pessoal e política. Errar, por óbvio, é uma decorrência
inafastável da vida de qualquer ser humano. Todavia, dentre esses erros, posso
afirmar em alto e bom som, jamais se encontrarão na minha trajetória de vida a
desonestidade, a covardia ou a traição. Jamais desviei um único centavo do
patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros. Jamais fugi
de nenhuma luta, por mais difícil que fosse, por covardia. E jamais traí minhas
crenças, minhas convicções ou meus companheiros em horas difíceis.”
Esclarece
a presidenta que jamais lutará pelo privilégio da Presidência e sim em nome de
um princípio: defender a Constituição de 1988. Determina a Carta que o
impedimento somente será justificado por atos gravíssimos, a configurar os
crimes de responsabilidade, diretamente praticados pelo presidente da República.
A
existência desses crimes, sublinha Dilma Rousseff, há de ser plenamente provada
em um devido processo legal, para assentar a responsabilidade de quem os
cometeu. Conforme a reportagem que se segue, reconstituição minuciosa do
próprio golpe em andamento, verifica-se a inexistência de quaisquer provas além
de um conjunto de falsidades de sorte a justificar que os designados a
encaminhar o processo ao plenário do Senado para a sessão decisiva compõem, com
todos os atributos necessários, a Comissão da Mentira.
A
carta de Dilma Rousseff é texto impecável para denunciar uma monstruosa
injustiça perpetrada não somente contra a presidenta, mas também contra o País
e a Nação. Rasga-se a Constituição, liquida-se a esperança de democracia,
enterram-se os ralos avanços conseguidos desde o fim da ditadura. E o engodo
imposto aos brasileiros pelo golpe, de fato demole o regime presidencialista
que rege a República, com a arbitrária decisão, tácita mas concreta, e como tal
levada adiante pelo complô, de manchá-lo pelo uso de uma fórmula
parlamentarista, inadequada além de falaciosa.
Não
se trata de discutir os erros cometidos por Dilma Rousseff, e já criticados, em
diversas oportunidades e às vezes asperamente, por CartaCapital. A começar pelo
estelionato eleitoral cometido logo após a posse do segundo mandato ao convocar
um bancário fiel do neoliberismo para o Ministério da Fazenda, com o
transparente propósito de agradar ao deus mercado. Não há erro, de todo modo,
que justifique o impedimento.
Sempre
ocorre, ao evocar os mandamentos do presidencialismo, citar Bush Jr., aquele
presidente que declarou guerra contra o Iraque de Saddam Hussein ao sabor de
uma clamorosa e criminosa mentira, conflito que precipitou atrocidades sem
conta e matou dezenas de milhares de soldados de um lado e de outro, sem contar
as vítimas civis. Em momento algum, o Congresso americano cogitou do
impedimento do presidente e muito menos o solicitou a opinião pública.
Este
processo a Dilma Rousseff nos envergonha e ofende a todos, mesmo quantos não
percebem suas implicações e não imaginam suas consequências.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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