Com
impressionante celeridade, desnuda-se o engodo da “solução” apresentada pelos
patrocinadores do impeachment de Dilma Rousseff.
O acordão de bastidores para
deter a Lava Jato acabou exposto na escandalosa conversa do senador Romero Jucá
com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, braço logístico da Petrobras.
As
medidas anunciadas para a economia, com forte arrocho social, não foram capazes
de acalmar os humores do mercado. Rifado pelo Planalto na primeira tempestade,
Jucá era visto como peça essencial para tocar a agenda de desmonte do Estado e
dos direitos trabalhistas no Congresso. Diante dos constantes recuos e
trapalhadas do governo interino, a desconfiança emerge: Michel Temer veio para
pacificar ou aprofundar a crise política?
Logo
após o vendaval causado pelo vazamento das declarações de Jucá, a Rede
Sustentabilidade divulgou uma áspera nota contra o novo governo, na qual a
legenda resgata uma antiga proposta para a superação da crise.
“A
Rede entende que PT e PMDB são igualmente responsáveis pelo cenário
político-econômico em que vivemos e a única forma de passar o País a limpo é a
realização de uma nova eleição, única situação em que a sociedade poderá
decidir o que quer repactuar para o seu futuro sem a intermediação dos próprios
políticos acusados e investigados por corrupção.” Em diferentes formatos, a
alternativa é debatida pelo PCdoB, pelo PSOL e até mesmo por setores do PT,
para quem a bandeira das “Diretas Já” é capaz de unificar o campo da esquerda,
além de angariar mais apoio popular do que a mera defesa pelo retorno de Dilma.
No
Senado, uma Proposta de Emenda à Constituição prevê a convocação de novas
eleições para presidente em outubro, com um mandato-tampão de dois anos. Na
Câmara, o deputado Domingos Neto, do PSB, apresentou um Projeto de Decreto
Legislativo para a convocação de um plebiscito, no qual os brasileiros seriam
consultados sobre a possibilidade de escolher um novo governante. No fim de
abril, o Ibope revelou que 62% da população desejava a saída de Dilma e Temer.
Verifica-se
agora que a presidenta afastada cresceu na avaliação popular, conforme outra
pesquisa, de 18% para 33%. A enquete de abril, ao ouvir 2.022 eleitores em 142
municípios, informava que a maioria apoia a convocação de novas eleições. Mesmo
os defensores do pleito antecipado admitem as dificuldades a serem enfrentadas,
devido aos numerosos obstáculos políticos e jurídicos existentes.
A
PEC das Novas Eleições foi apresentada pelos senadores Walter Pinheiro (sem
partido), Randolfe Rodrigues (Rede), João Capiberibe (PSB), Lídice da Mata
(PSB), Paulo Paim (PT) e Cristovam Buarque (PPS). De acordo com o grupo, a
proposta não visa barrar o impeachment contra Dilma, e sim entregar à população
o direito de escolher sobre o seu futuro.
“Temer
não tem nem 2% das intenções de voto e está tocando um projeto político que
jamais passaria pelo crivo das urnas. Dilma, por sua vez, mergulhou em profunda
impopularidade ao abraçar a austeridade fiscal, e não acredito que um mea-culpa
será suficiente para resgatar a confiança de seu eleitorado”, resume
Capiberibe. “Neste novo pleito, os candidatos terão a oportunidade de expor
suas ideias para a superação da crise, qual é o modelo de reforma política que
pretendem tocar, quais são as propostas para recuperar a economia. A palavra
final caberá ao povo.”
A
ideia de convocar um plebiscito para consultar a população sobre novas eleições
é apoiada pelo PCdoB. Na avaliação da deputada Luciana Santos, presidente
nacional do partido, a proposta tem mais chances de prosperar, pois os projetos
de decreto legislativo requerem maioria absoluta, ou seja, metade dos votos
mais um. Uma emenda constitucional, por sua vez, demandaria três quintos dos
parlamentares, em dois turnos de votação. “A crise é tão grave que o Congresso
afastou uma presidenta sem crime de responsabilidade. A questão é eminentemente
política, e não será tão simples reconstruir as condições de governabilidade no
eventual retorno de Dilma”, diz a parlamentar.
A
realização de um plebiscito antes da convocação de novas eleições arrastaria a
crise para 2017, observa o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade
de São Paulo. “Em uma situação tão grave como esta, não há coisa melhor a fazer
do que voltar ao poder instituinte para buscar uma solução com mais democracia”,
diz o intelectual, filiado ao PSOL. “Precisamos, porém, construir uma
alternativa logo, e não me parece fazer sentido encampar o coro ‘Volta, Dilma’.
Não há mais espaço para a política de conciliação dos governos petistas, que
buscavam satisfazer tanto as demandas das massas quanto as reivindicações das
oligarquias insatisfeitas. Esse modelo está esgotado.”
O
deputado Ivan Valente enfatiza que o PSOL não tem posição fechada sobre o tema.
“Por enquanto, o que une a esquerda é o ‘Fora, Temer’, a rejeição a este
governo ilegítimo e golpista”, diz. Na avaliação do parlamentar, não tardará
para a insatisfação contra as impopulares medidas anunciadas por Temer refluir
nas ruas, o que pode aumentar as chances de rejeição do processo de
impeach-ment pelo Senado. O desfecho não resolveria, porém, a falta de apoio ao
governo petista. “O melhor seria costurar um acordo, inclusive com Dilma, capaz
de unir os movimentos sociais e os partidos do campo progressista.”
O
PT está dividido. Em conversas reservadas, algumas lideranças admitem que o
ideal seria Dilma assumir o compromisso de propor novas eleições caso retorne
ao Planalto. Dessa forma, seria possível costurar um acordo para barrar o
impeachment no Senado. Organizações historicamente ligadas ao partido, a
exemplo da CUT e do MST, rejeitam a alternativa, vista como sinal de
capitulação e legitimação do golpe. Um sólido núcleo do partido ainda aposta no
retorno da presidenta afastada. “Com o compromisso de resgatar o projeto que a
elegeu em 2014, ela pode perfeitamente reconstruir sua base”, diz o deputado
Paulo Teixeira.
Se
é difícil construir um consenso dentro da esquerda, mais complicada ainda será
a tarefa de obter maioria no Parlamento para convocar novas eleições. Um dos
idealizadores da PEC que tramita no Senado, Walter Pinheiro, reconheceu ser
remota a possibilidade de aprová-la sem intensa mobilização popular. Outro
obstáculo é de natureza jurídica. Assim que a proposta for levada adiante, é
prevista uma batalha no Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da
alternativa.
Na
avaliação de Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São
Paulo, a convocação de novas eleições é restrita a cinco possibilidades:
impeachment de Dilma e Temer, cassação da chapa que os elegeu pelo Tribunal
Superior Eleitoral, renúncia coletiva, morte ou doença incapacitante. “No meu
entendimento, isso é uma cláusula pétrea da Constituição. Não pode ser
modificado por emenda.”
Para
o jurista Marcello Lavenère, ex-presidente da OAB, é remota a possibilidade de
a ideia vicejar. “Essa saída pressupõe um pacto político amplo, inclusive com
os partidos que apoiaram o impeachment de Dilma, pois não está prevista
constitucionalmente. Apenas se o governo Temer também perder sua sustentação
política essa alternativa poderia se viabilizar.”
Ainda
assim, os defensores da proposta do plebiscito não esmorecem. “Não acredito que
o Supremo assumiria o ônus político de impedir que a população decida sobre o
seu próprio futuro, ainda mais se for para solucionar a grave crise política
que vivemos”, diz Capiberibe.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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