Ao contrário do que pensa a casa-grande, o povo não precisa ser guiado (Foto: Lúcio Tavora) |
Em
tempos confusos como os atuais, é sempre bom perguntar o que pensa o povo. Se
quisermos mesmo viver em uma democracia, há coisa mais importante?
Nossa
cultura política e trajetória histórica são, no entanto, tão profundamente
autoritárias e antipopulares que essa regra não passa de rara exceção.
Contam-se nos dedos os momentos nos quais o sistema político expressou os
pontos de vista dos cidadãos comuns ou sequer se preocupou em identificá-los.
A
República nasceu sob o signo do elitismo, um arranjo no qual o único papel do
povo era o de espectador. Como registrou Aristides Lobo no mesmo dia de sua
proclamação: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava”.
Andamos
mais de 125 anos e estamos diante de uma situação semelhante. Os donos do poder
movimentam-se para encontrar sua “solução boa” para os problemas do Brasil.
Preocupam-se exclusivamente em formular aquela que mais satisfaz às suas
exigências imediatas. Quanto ao povo, que fique quieto.
Não
há traço mais nefasto na cultura brasileira do que o paternalismo das elites.
Trata-se de uma deformidade ideológica cujas raízes estão na escravidão, mas
tão forte hoje quanto nos tempos da casa-grande. Essa deformidade as leva a
imaginar que têm o encargo de “orientar” o povo. Passamos por um sem-número de
manifestações dessa odiosa fantasia de superioridade.
Existe
a versão racista e discriminatória, de pura denúncia da incapacidade de um
cidadão do povo saber o que lhe convém. Não são somente os brutamontes da
direita a subscreverem-na. Quem não se lembra das “análises” do sociólogo
Fernando Henrique Cardoso após a última eleição, com seu desprezo pelo voto dos
pobres?
Há,
porém, uma versão mais sutil: a tutela é “pedagógica” e cheia de “boas
intenções”. O povo precisa ser guiado, pois não consegue perceber aquilo de que
necessita e deve ser protegido das “más influências”. Para não ser enganado,
tem de permanecer sempre sob a guarda de seus mentores. Como se de um lado
estivessem adultos esclarecidos e do outro crianças imaturas.
São
mitos construídos há tempos. Autoritários e liberais no Império e na República
Velha compartilhavam a mesma crença na missão tutelar das elites e na
impossibilidade de autogoverno pelo povo. Os generais de 1964 se achavam
investidos da incumbência salvadora. Os magistrados e procuradores de agora são
seus filhos diretos.
Na
crise atual, a vasta maioria da população é simples espectadora, apesar do
largo uso retórico que as oposições procuram fazer de seus sentimentos. Desde o
ano passado, os partidos oposicionistas e a mídia falam a toda hora daquilo que
chamam de “vontade nacional”, embora não passe, na maioria das vezes, de um
desejo deles próprios.
Ao
comparar pesquisas feitas nos últimos meses, é possível chegar mais perto do
que pensa o povo a respeito da crise. São quatro os pontos principais:
É consenso a grande insatisfação com o governo
Dilma Rousseff. A má avaliação subiu rapidamente no início de 2015 e permanece
elevada desde então, ainda que apresente pequena recuperação nos últimos meses.
Os motivos para desaprová-lo são, no entanto, diferentes, de acordo com as
características dos entrevistados. Em pesquisa do Instituto Vox Populi de 2015,
perguntou-se aos 68% que avaliavam negativamente o governo o motivo da
reprovação. Entre as razões oferecidas, de longe a mais importante, com 36% das
respostas, foi: “Dilma está perdida, não sabe o que quer e o governo está uma
bagunça”.
Quando
se olha como cada segmento socioeconômico se posicionou, percebe-se que são os
mais pobres e os de menor escolaridade que mais tendem a concordar com a frase
(índices em torno de 40%). Nas camadas de maior renda e educação, a proposição
que provoca maior adesão é outra: “Dilma não tem autoridade e os políticos e
partidos mandam cada vez mais nela”. Atinge 35% das respostas, enquanto aquela
relativa à “bagunça” cai para 20%.
A
principal fonte de insatisfação entre os mais pobres parece originar-se na
insegurança e na sensação de desamparo causadas pelo comportamento errático do
governo no começo do segundo mandato. Entre os ricos, o motivo é mais abstrato.
Vale ressaltar que a pauta da mídia, de “erros na economia” e “corrupção”,
insistentemente repetida para desgastar o governo, tem adesão mais baixa: tanto
entre ricos quanto entre pobres mal chegam juntas a 30% das respostas.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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