Ser
legalista não é o mesmo que ser governista, ser governista não é o mesmo que
ser corrupto. É intelectualmente desonesto dizer que os governistas ou os
simplesmente contrários ao impeachment são a favor da corrupção.
Embora
me espante o ódio cego por um governo que tirou milhões de brasileiros da
miséria e deu oportunidades nunca antes vistas para os pobres do país, não
nego, em nome dessas conquistas, as evidências de que o PT montou um projeto de
poder amparado por um esquema de corrupção. Isso precisa ser investigado de
maneira democrática e imparcial.
Tenho
feito inúmeras críticas públicas ao governo nos últimos 5 anos. O Brasil vive
uma recessão que ameaça todas as conquistas recentes. A economia parou e não há
mais dinheiro para bancar, entre outras coisas, as políticas sociais que
mudaram a cara do país. Ninguém é mais responsável por esse cenário do que o
próprio governo.
O
esfacelamento das ideias progressistas, que tradicionalmente gravitam ao redor
de um partido de esquerda, é também reflexo da decadência moral do PT, assim
como a popularidade crescente de políticos fascistas como Jair Bolsonaro.
É
possível que a esquerda pague por isso nas urnas das próximas eleições. Caso
aconteça, irei lamentar, mas será democrático. O que está em andamento no
Brasil hoje, no entanto, é uma tentativa revanchista de antecipar 2018 e
derrubar na marra, via Judiciário politizado, um governo eleito por 54 milhões
de votos. Um golpe clássico.
O
país vive um Estado policialesco movido por ódio político. Sergio Moro é um
juiz que age como promotor. As investigações evidenciam atropelos aos direitos
consagrados da privacidade e da presunção de inocência. São prisões midiáticas,
condenações prévias, linchamentos públicos, interceptações telefônicas
questionáveis e vazamentos de informações seletivas para uma imprensa
controlada por cinco famílias que nunca toleraram a ascensão de Lula.
Você
que, como eu, gostaria que a corrupção fosse investigada e políticos corruptos
fossem para a cadeia não pode se render a esse vale-tudo típico dos Estados
totalitários. Isso é combater um erro com outro.
Em
nome da moralidade, barbaridades foram cometidas por governos de direita e de
esquerda. A luta contra a corrupção foi também o mote usado pelos que apoiaram
o golpe em 1964.
Arrepio-me
sempre que escuto alguém dizer que precisamos "limpar" o Brasil. A
ideia estúpida de que, "limpando" o país de um partido político, a
corrupção acabará remete-me a outras faxinas horrendas que aconteceram ao longo
da história do mundo. Em comum, o fato de todos os higienizadores se
considerarem acima da lei por fazerem parte de uma "nobre cruzada pela
moralidade".
Você
que, por ser contra a corrupção, quer um país governado por Michel Temer deve
saber que o processo de impeachment foi aceito por conta das chamadas pedaladas
fiscais, e não pelo escândalo da Petrobras. Um impeachment sem crime de
responsabilidade provado contra a presidente é inconstitucional.
O
nome de Dilma Rousseff não consta na lista, agora sigilosa, da Odebrecht, ao
contrário dos de muitos que querem seu afastamento. Um pedido de impeachment
aceito por um político como Eduardo Cunha, que o fez não por dever de
consciência, mas por puro revide político, é teatro do absurdo.
O
fato de o ministro do STF Gilmar Mendes promover em Lisboa um seminário com
lideranças oposicionistas, como os senadores Aécio Neves e José Serra, é, no
mínimo, estranho. A foto do juiz Moro com o tucano João Doria em evento
empresarial é, no mínimo, inapropriada.
E
se você também achar que há algo de tendencioso no reino das investigações, não
significa que você necessariamente seja governista, muito menos apoiador de
corruptos. Embora a TV não mostre, há muitos fazendo as mesmas perguntas que
você.
Publicado
originalmente no portal Folha de São Paulo
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