Eu
já falei da diferença gritante entre as coberturas feitas pela maior parte das
emissoras de televisão, em especial a Rede Globo e a Globo News, das duas
últimas grandes manifestações realizadas em diversas cidades do país: a
pró-impeachment e a que defendeu a democracia.
Agora
eu quero falar de um outro aspecto que tem me incomodado bastante: a forma
insistente e rasa com que esta cobertura tenta, de forma equivocada, comparar a
estimativa de público entre as diferentes manifestações como se, para
determinar os rumos da política do país, tivéssemos que eleger como uma única
manifestação legítima aquela que tivesse o maior número de pessoas.
Se
assim fosse, poderíamos evocar as milhões de pessoas que participam anualmente
da Parada LGBT de São Paulo para “implantar a ditadura gay” (sic), tão
alardeada há anos em discursos delirantes de hipócritas, demagogos e mercadores
da fé, não é mesmo? #IroniaModeOn
Essa
cobertura desonesta omite as diferenças gritantes na forma de convocação das
duas manifestações. Enquanto a pró-impeachment foi financiada e patrocinada
pelos plutocratas e partidos de oposição de direita (inclusive por seus
governos que liberaram as catracas e colocaram a polícia militar à disposição
do fechamento de avenidas), pelo Habib’s, pela FIESP e estimuladas por uma
cobertura-convocação da mídia, a outra nasceu de uma reação espontânea em
defesa do democracia e do Estado Democrático de Direito, ameaçados pelos atores
políticos que estão por trás da primeira manifestação, que, diante de tamanha
força econômica e televisiva, é óbvio que atrairia mais gente.
Ainda
assim, sem esse apoio da mídia e a força oculta da grana (porque embora o PT, o
PCdoB, a CUT, o MST também façam convocações, elas são públicas e notórias),
podemos concluir que sim, as manifestações a favor da democracia foram um
sucesso. Por isso, do ponto de vista jornalístico elas deveriam ser encaradas
como uma pauta mais relevante, sem omissão das circunstâncias que produziram as
duas manifestações.
Me
pergunto como a Rede Globo não é capaz de aprender com os próprios erros há
décadas já desmascarados: a negação das Diretas Já, o sequestro de Abílio
Diniz, a manipulação do debate entre Lula e Collor, o direito de resposta de
Leonel Brizola e Lula. Como William Bonner e William Waack – os dois William
que encarnam a face desse jornalismo desonesto – acham que serão lembrados?
O
que está acontecendo é uma disputa de narrativa. Houve um tempo em que a Globo
conduzia sozinha essa narração e por isso conseguiram derrubar um governo e
estabelecer uma ditadura militar no país por mais de 20 anos; agora ela pode
até triunfar ao final desse golpe, mas haverá uma resistência muito maior
porque as redes sociais e as novas tecnologias de informação podem ajudar a
produzir outros discursos nessa disputa da narrativa.
E
por falar nos atores ocultos (mas nem tanto) que estão por trás desse movimento
pró-impeachment, uma gravação escandalosa registra uma conversa do deputado
Paulinho da Força, principal aliado de Eduardo Cunha e que, junto com o
presidente da Câmara, também é réu no STF e responde pelo crime de corrupção.
Na conversa, o líder da Força Sindical revela que há “muita gente pra financiar
o impeachment” e que todo esse processo só está acontecendo por causa de Cunha.
E
aí? Será que a transcrição desse áudio também será lida de forma dramática e
repetida no Jornal Nacional? Quem são essas pessoas interessadas em financiar o
impeachment, Paulinho da Força?
Publicado
originalmente no Facebook
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