Praça do ferreira em Fortaleza é um dos símbolos do Ceará (Foto: Divulgação) |
Faz
da gambiarra um passaporte para a felicidade. É massa. Prefere o remendo à
solução. É paia.
Adora
história de menino pobre que passou no vestibular mais difícil da cidade. É
massa. Gosta de se ufanar dos gênios que produz em escala industrial nos
colégios particulares. É paia.
Divide
a sombra do poste com outra pessoa. É massa. Corta as árvores. É paia.
Segura
a porta do elevador pra quem está chegando. É massa. Estaciona na vaga do
idoso. Paia.
É
banhado(a) e cheiroso(a). Massa. Joga lixo pelo vidro do carro. Paia.
Faz
chuva de gliter no Carnaval. Massa. Atira um punhado de maisena no olho. Paia.
O
cearense vive orbitando nesse universo binário do massa/paia. A gente é massa
porque é vocacionado à galhofa. Mas é paia porque odeia quando tem de segurar o
riso, que, entre nós, é uma espécie de frieira atávica passada de geração para
geração e perpetuada nos genes. Numa geografia adversa, é massa a predisposição
à pilhéria, que acaba salvando muita gente de endoidecer. Ocorre que o excesso
pode ter efeito contrário, e o que era massa fica paia.
Uma
ida ao teatro ou ao cinema exemplifica. Se é pra chorar, rimos. Se é pra rir,
rimos mais ainda. Se o instante impõe silêncio, risinhos se espalham pelas
beiradas da plateia. É mais forte que a gente, e isso é paia. É como se a
realidade imediata fosse roteirizada por Rossicleia ou Tom Cavalcante. Nosso
diretor de elenco é Tiririca. Nosso editor de som, Victor Hannover. E há um
Sinfrônio contracenando no interior de cada um dos nascidos nas terras de
Alencar.
Tudo
porque o caráter do gentio é dúbio, híbrido e pendular. Hospitaleiros – massa.
Mas linchadores de assaltante – paia. Receptivos, massa. Mas pródigos em
desrespeitar regras mínimas de convivência. Paia. Rir da chuva caindo. Massa.
Cortar a árvore onde os mendigos penduravam o colchão na praça. Paia.
É
massa ter saída para quase todos os problemas. É paia quando todas as respostas
são provisórias e precisam de outra demão de tinta pouco tempo depois. É massa
ter orgulho da capacidade de invenção e da natureza obstinada do nativo. É paia
quando a gente ilustra isso com o exemplo dos cearenses que ocupam mais da
metade das vagas nos institutos de ensino de São Paulo e Rio.
É
massa quando festejamos a vitória de um aluno de escola pública que ganhou
bolsa para estudar numa das melhores instituições de outro país. É paia quando
ficamos deslumbrados com a lógica VIP das turmas especiais de colégios
particulares, a mesma que multiplica aprovados unicamente para estampar nas
propagandas. É massa ver tantas bicicletas na cidade. É paia um estacionamento
gigantesco à beira-mar.
É
massa estar feliz e não querer ir embora do lugar onde se vive. Afinal, o
Brasil passa férias aqui. Mas é paia não ir além do mero reconhecimento de uma
beleza geográfica que se limita, quando muito, ao litoral. É massa sublimar
dificuldades com o riso, transformando queda em passo de dança. É paia quando o
riso é convocado para recalcar os problemas e escondê-los debaixo do tapete.
Por tudo isso, o cearense é muito massa, mas também é muito paia.
Publicado
originalmente no portal O
Povo Online
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