Como
falar de política para crianças? Como explicar quem foi Josef Stalin, Benito
Mussolini, Adolf Hitler, Augusto Pinochet e Emílio Garrastazu Médici para uma
criança? Como contar que todos esses governantes tiveram em comum a barbárie e
governos responsáveis por censurar, ordenar milhares de prisões e ceifar
centenas de vidas em nome de um projeto nem sempre popular?
Cientes
da carência de materiais didáticos que introduzam as crianças no universo das
ciências sociais, a Boitempo Editorial resgata dois livros infantis que tratam
de política para lançar seu selo infantil – o Boitatá. A ditadura é assim e A
democracia pode ser assim chegam às livrarias neste mês, em meio à
efervescência política e social que vive o País.
“Com
toda essa agitação que vemos na mídia, na internet e nas ruas, é normal que as
crianças tenham dúvidas e queiram entender os processos que estão por trás. E,
infelizmente, o educador ainda tem pouco material de apoio disponível para
trabalhar em sala de aula questões como impeachment, corrupção e voto”, afirma
a editora do selo, Thaisa Burani. “Temos uma ebulição social desde junho de
2013. E as crianças não passam incólumes. Elas observam, têm dúvidas, querem
participar”.
Os
livrinhos foram lançados originalmente em 1977 pela extinta editora catalã La
Gaya Ciencia, que logo após a queda do general Francisco Franco na Espanha
contratou uma equipe de educadores para escrever um conjunto de quatro volumes.
Além
dos dois livros que saem agora, estão previstos para serem lançados em março os
O que são classes sociais? e As mulheres e os homens, que questiona padrões
simples de gênero, como mulheres usando saia e homens, gravata.
Todos
custam 39 reais cada e são indicados tanto para o chamado “leitor em processo”
(LEP), que coincide com os 8 e 9 anos de idade, uma fase que requer o
acompanhamento de um adulto para interpretação posterior à leitura, quanto para
crianças de 10 anos, capazes de serem mais autônomas.
A
ideia da editora, que está completando duas décadas, é ter o Boitatá como um
selo infantil que não subestima a inteligência dos pequenos e os estimule a
questionar.
A
ditadura é assim explica que “todo mundo obedece ao ditador só porque tem medo
dele” e conta às crianças que em “qualquer ditadura, é proibido pensar por
conta própria” pois o ditador exige que as pessoas só pensem como ele.
O
livro, composto por ilustrações do basco Mikel Casal como a de uma coletiva de
imprensa “sem perguntas”, explica ainda que o “ditador tem muito orgulho do
país DELE. Porque ele acha que o país é DELE”.
Já
o A democracia pode ser assim mostra que a “democracia é como um recreio
em que todos podem
brincar de tudo”, além de poderem pensar e dizer o que quiserem. O livro trabalha
com conceitos amplos e foca bastante na dinâmica de eleições
diretas, norteada pelo princípio do voto –
retratado como indispensável ao funcionamento do sistema: “Todos têm de participar.
Todos têm de votar. (…) Pois o voto é um direito, mas é também um dever”.
No
livro sobre democracia, ilustrado com colagens da espanhola Marta Pina, há na
introdução fotos de diversas crianças (sendo algumas de autores da Boitempo), o
que dá a ideia de pluralidade de etnias e cores.
Já
o que trata da ditadura traz logo na primeira página caricaturas de ditadores
tanto de direita (como o argentino Jorge Rafael Videla) quanto de esquerda
(como Nicolae Ceaucescu), indicando a preocupação em não se inclinar a um lado
específico.
Neste
sentido, há um cuidado semelhante no livro sobre democracia ao explicar que há
partidos que acham mais importante todos poderem estudar, ter hospitais e
trabalho; outros que prezam por um país no qual a economia cresça mais
depressa, as empresas prosperem, os bancos sejam mais poderosos; e outros ainda
que lutam para a criação de áreas reservadas para a caça e a pesca, por
exemplo.
“Em
todos os países existem conservadores e progressistas”, lembra o texto na
tentativa de sair do “fla-flu” esquerda-direita para tratar a democracia
enquanto conceito.
Ao
final, cada livro traz questões para serem debatidas tanto dentro de casa
quanto em sala de aula, como: “Se você vivesse numa ditadura, o que acharia
pior? A. O ditador poder decidir sobre tudo.
B. Não
existirem partidos.
C. A opinião do povo não
valer nada” e “Para a democracia existir, o que você
acha mais importante? A. Haver liberdades. B. Ser possível votar.
C. Haver partidos políticos”.
Há
ainda análises de especialistas a fim de contextualizar os livrinhos com o
momento político atual, um outro diferencial em relação às edições originais.
O
filósofo Leandro Konder, falecido há pouco mais de um ano, escreveu sobre
dificuldades de existir uma democracia plena, enquanto o sociólogo Ruy Braga
levanta a questão da “ditadura econômica” imposta pelo capitalismo e questiona
recentes manifestações pedindo a volta do regime militar no Brasil.
Para
alguns, no entanto, o livro pode escorregar quando aborda valores universais e
elege a liberdade em detrimento de outros direitos, como a igualdade – “A
democracia é como um jogo do qual todos participam. E todos jogam pela
liberdade”.
A
editora, no entanto, não enxerga nisso um problema. Para ela, a coleção tem
como principal objetivo mostrar que não estamos livres de retrocessos e deve
ser encarada como uma primeira abordagem à ciência política, que envolve
questões complexas e sutis.
Mas
política, então, é coisa de criança?
“Certamente
é. As crianças estão o tempo todo fazendo política, questionando regras,
negociando combinados. Não vejo infância e política como excludentes, pelo
contrário”, observa Thaisa.
Com
informações Carta Capital
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