Em
seu estranho ritmo, que mistura o frenesi das elites com a calma do povo, a
política brasileira chega a mais um ano eleitoral. Em menos tempo do que
parece, realizaremos as eleições municipais de 2016.
Os
sinais estão no ar: os pré-candidatos e seus patronos movimentam-se, pesquisas
de intenção de voto são divulgadas, cálculos e especulações correm soltos.
É
ótimo que seja assim. Nunca é demais lembrar quão excepcional, na história
política brasileira, é o período no qual vivemos: em toda nossa trajetória, é a
mais longa fase de normalidade democrática.
Para
um país que teve seus primeiros cem anos de vida republicana entrecortados por
golpes de Estado e ditaduras, é extraordinário o fato de estarmos perto de
comemorar três décadas seguidas de eleições de prefeitos nas capitais e grandes
cidades. Um período curto para nações democráticas, mas longo no nosso caso.
Essa
salutar rotina passou o ano de 2015 sob ameaça. Se dependesse das manobras das
oposições, políticas, sociais e na mídia, o calendário eleitoral seria
inteiramente imprevisível, com todos os males que o fenômeno acarreta. Desde o
dia seguinte à eleição presidencial de 2014, a única coisa que fizeram foi
tentar virar a mesa.
Querem
tudo: recontagem de votos, anulação da eleição, cancelamento do registro da
candidatura vitoriosa, renúncia, impeachment, inviabilizar o governo, parar o
País. Tudo menos aceitar a derrota.
A
agitação das oposições contrasta com os sentimentos da vasta maioria da
sociedade. Para os cidadãos comuns, a política acontece ao longe, em dimensão
que todos sabem relevante, mas com a qual poucos se envolvem no cotidiano.
Não
é assim apenas no Brasil. Mundo afora, salvo em um ou outro lugar onde a
cultura política é de intensa mobilização, o mesmo acontece.
Nada
indica que a eleição do próximo ano será diferente. A imensa heterogeneidade
dos municípios brasileiros impede a prevalência de elementos mais gerais e o
quadro que emerge da disputa assemelha-se sempre a uma colcha de retalhos muito
díspares.
Perde
tempo quem procura antecipar o “sentido” da eleição, compreender seu “recado”
ou projetar a corrida presidencial seguinte à luz dos resultados.
Podemos
estar certos de apenas umas poucas coisas. A primeira: as disputas municipais
não são um tipo de “eleição de meio período”, como existe nos Estados Unidos e
em outros países. Os eleitores não vão às urnas para “enviar sinais”, de apoio
ou reprovação dos governadores ou do presidente.
O
que fazem, unicamente, é procurar identificar o melhor candidato a prefeito de
sua cidade, que se ocupará de questões tão mais relevantes quanto mais pobre
for o eleitor.
A
segunda é que, para a maioria do eleitorado, a eleição municipal é a escolha de
um indivíduo. Apoios e endossos contam, mas raramente são decisivos.
É
minoria a parcela que escolhe prefeitos por suas vinculações, principalmente
com partidos, seja para se decidir em quem votar ou não.É majoritária a
proporção daqueles que buscam entre os candidatos nítidos atributos
administrativos.
A
terceira é que a imagem nacional das legendas tem pouco a ver com sua
performance nas eleições locais. Em 1996, com o PSDB anabolizado pelo Plano
Real, os tucanos elegeram 16% dos prefeitos. Permaneceram quase do mesmo
tamanho (14%) em 2008, quando Lula já estava no segundo mandato e governava com
imensa popularidade.
No
caso do PT, a tendência é parecida: fez 7,5% das prefeituras, em 2004, e
demorou oito anos para chegar a 11%, em 2012, mesmo ao ganhar no intervalo, por
duas vezes, a Presidência da República.
Pesquisa
recente do Instituto Vox Populi traz elementos para se interpretar essa
dissociação entre imagem nacional e voto municipal. Perguntados a respeito da
possibilidade de votar em um candidato a prefeito do PT em 2016, pouco mais de
um terço dos entrevistados respondeu que não havia “nenhuma” possibilidade,
seja por nunca terem votado no partido, seja por estarem hoje decididos a não
votar.
Cerca
de 10% disseram que “votariam com certeza”, pois sempre votaram em candidatos a
prefeito da legenda. E 50% responderam que “se o PT tiver um bom candidato ou
candidata, poderiam votar nele ou nela”.
Isso
vale da menor cidade do Brasil à megalópole São Paulo. Quem hoje vaticina a
respeito da mais importante eleição de 2016 apenas contribui para aumentar o lixo
de bobagens produzido sobre o assunto. De 1985 para cá, a eleição em São Paulo
mandou para o cemitério um caminhão de teses desmentidas pelas urnas.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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