Fotomontagem das aventuras de Fabricio e Heloisa na Bahia |
Se existe uma prova pra cobrar
competência de ciclista, com certeza, é a ladeira! Quer resistência, no esporte
de verdade, neguinho? Vem pra Bahia! Ó paí, ó... É glória na descida e
sofrência pra subir... É experiência de altos e baixos como a vida é. Por isso,
nem sempre descer é bom; como subir também não deve ser só tortura. A vantagem?
É a Sra. Adrenalina, que prepara o corpo para os grandes esforços físicos,
acelera o coração, eleva a tensão arterial, relaxa certos músculos e contrai
outros, aguça os teus sentidos, revigora o organismo. Aí você percebe que
desceu ou que subiu, a paisagem estava lá de testemunha, percebe coisas
incríveis porque a serotonina já dominou o seu corpo. Agora, é estado de graça!
Por causa de uma descidinha... rsrsrsrs. Quem é ciclista sabe, o quanto vale
uma ladeira!
Foi por isso que, mesmo correndo o
risco de sermos pegos pela polícia rodoviária federal, por quase encobrir,
totalmente, os piscas do carro com duas bicicletas num transbike, que
percorremos 1.250 km do Ceará à Bahia! Não poderíamos, de maneira alguma,
sobreviver às férias sem as bicicletas e nem pensar em retornar às atividades
da equipe TSP (Trilha Sítio Poças) fora de ritmo! Além, sensações valem ouro.
BA-263 – Trecho que liga Vitória da Conquista a Tremedal (Foto: Fabrício Ferraz) |
Estamos
em Tremedal, sudoeste da Bahia, um município com 1.779,422 Km2 e população
estimada em 21.000 habitantes, segundo dados do IBGE. A cidade desenvolveu-se
posteriormente ao apogeu do povoado de São Felipe que na época pertencia a
Condeúba/BA e, devido à ocupação, espírito empreendedor e desenvolvimento da
família Ferraz na área mais úmida e próxima dessa região, passou a chamar-se
Arraial do Tremedal dos Ferraz que em 05 de novembro de 1953 elevou-se a
município com o nome de Tremedal. O lugarejo é pacato como “a nossa” Altaneira,
de clima semi-árido, altitude de 530m acima do nível do mar e distante 588 km
da capital, Salvador. Possui povoados intrigantes, como: Venda Velha, Volta,
Mulungu, Lagoa Preta e bairros incomuns como Talibã, Açude Velho, Corante,
entre outros.
As
espécies vegetais que mais se destacam aqui são as cercas vivas do Pecado
Pelado e do Quiabento. De longas distâncias é possível observar as demarcações
das propriedades pelas tais plantas; uma verdadeira cerca impenetrável para pessoas
e animais. O Pecado Pelado também chamado de Avelós, Dedo-do-Diabo ou
Dedinho-de-Anjo cresce emaranhando-se entre as armações das cercas
convencionais de forma densa e larga. Deixadas crescer desordenadamente, podem
chegar aos 10 ou 15 metros de altura! Esta planta produz um leite de fortíssimo
poder toxicológico capaz de produzir graves queimaduras e até cegar. Nem o mais
exímio ladrão ousaria atravessar uma cerca de Pecado Pelado!!!
Cerca viva de Pecado Pelado – Tremedal/BA (Foto: Fabrício Ferraz) |
Pesquisas
recentes revelam também o seu poder para a cura de tumores de pele e cânceres
gastrointestinais; substâncias presentes em seu leite têm a capacidade de
destruir as células descontroladas que provocam a doença e evitar a sua
reprodução. O uso como medicamento está ainda, em estágio de análises rigorosas
porque em doses pouco maiores o leite do Pecado Pelado pode levar a óbito! Por
aqui, são conhecidos, casos clássicos e testemunhos de pessoas que creditam sua
cura à ingestão da gotinha diária do leite do Dedinho-de-Anjo. Já o Quiabento é
da família das cactáceas, possui longos espinhos que, segundo os mais velhos,
ao mínimo furo podem aleijar. Seu fruto, rico em água, em seu interior guarda
uma gosma transparente extremamente colante! Fabrício, conta que quando criança
usava a gosma do Quiabento para colar pipas e em especial uma vez, de
traquinagem na fazenda do avô, colou a cabeça do dedo de um primo para escapar
de uma possível surra, por este estar sob seus cuidados!
Flor e Fruto do Quiabento – Povoado Capim – Tremedal/BA. (Foto: Fabrício Ferraz e Heloísa Bitú) |
Tremedal
possui uma represa de abastecimento d’água para a cidade, principal fonte de
renda para os ribeirinhos por meio da pesca! É aqui que começa a nossa
aventura! A primeira volta de bicicleta que demos pela cidade foi exatamente,
partindo pelo bairro Açude Velho, passando pelo Escama Peixe (sangrador da
represa) e subindo até a antiga pista de pouso do DNOCS/BA. À direita
adentramos uma estradinha estreita que dá acesso à Banca (tapagem do açude) e
subimos em direção ao Morro do Urubu.
Retornamos para a sede e pegamos a Av.
Joaquim Ferraz, passamos em frente ao Estádio Municipal Diocleciano Ferraz onde
na noite anterior aconteceu um show com o Amado Batista e descemos pela rodovia
BA-263 sentido Piripá, retornando pelo Loteamento Durval Ferreira Rocha.
Durante o percurso de mais ou menos 1 hora, discutíamos sobre os possíveis
trechos de mountain bikes e roteiros que não deixassem de ser também
turísticos, para representarmos a equipe TSP (Trilha Sítio Poças) e produzirmos
matéria especial para o Blog de Altaneira.
Tivemos
um bom começo de ano! Logo no primeiro dia tratamos de conhecer o percurso da
sede de Tremedal até o Povoado de São Felipe.
Como não teríamos nenhuma equipe
de apoio, na manhã seguinte que seria o dia do desafio, não poderíamos nos dar
o luxo de errar o caminho! Juntamos a família inteira e de carro fomos conhecer
a história dos primórdios da cidade.
Igreja de Nossa Senhora da Saúde e Glória, Povoado de São Felipe – Tremedal/BA (Foto: Heloísa Bitú) |
A
localidade de São Felipe abriga uma Igreja histórica, a Igreja de Nossa Senhora
da Saúde e Glória que, recentemente, sofreu reforma. Empreita realizada pela
mobilização social e apoio de empresários da região.
Subida para o Morro do Urubu
Tremedal/BA (Foto: Heloísa Bitú)
|
Durante os trabalhos de
restauro da referida, uma surpresa: o templo que contava sua última reforma de
1948 revelou achados, que levam sua construção ao período colonial do Brasil.
De
seu telhado constava telha com data de 22 de agosto de 1705, alguns nomes
próprios e outras inscrições ainda não legíveis, além de moedas encontradas na
madeira do altar e reboco das paredes. O material coletado reafirma ter sido o
povoado, local de passagem de tropeiros durante os períodos mais remotos das
rotas que ligavam Bahia a Minas, exatamente nesta faixa limítrofe onde muito
próximo percorre por aqui o Rio Gavião.
Bem
próximo dalí, à direita de quem vem de São Felipe vislumbra-se uma paisagem
belíssima. Cânions de uma serra circundada por água corrente compõem um lugar
místico conhecido por Espírito Santo. O monumento natural de pedra ao topo do
cânion equilibra-se de modo “imaginavelmente” sobrenatural. Muito parecido com
o que conhecemos da famosa Pedra Grande do São Romão, aqui também se fazem
procissões e excursões para o topo e há relatos de aparições de santos e
figuras misteriosas. Infelizmente, ano passado, um rapaz aventureiro sofreu um
acidente ao tentar escalar o perigoso cânion.
O nosso percurso de bicicleta foi bem tranqüilo, no dia seguinte. A estrada
estava bem movimentada porque era dia de feira no antigo Arraial do Tremedal
dos Ferraz, muitos ônibus, pessoas carregando frangos, pastores de cabras,
ciclistas e gente a pé portando sacolas.
BA-263 - Início da Ladeira de 4 km entre Tremedal e Belo Campo (Foto: Heloísa Bitú) |
Retornamos satisfeitos com tudo o que
apreciamos!
A BA-263 é conhecida pelas curvas e
perigosas ladeiras, principal motivo dos graves acidentes e mortes de
motoristas e motociclistas. Os primeiros 10 km, de um sobe e desce quase
ininterrupto. Intermináveis cercas de pecado pelado, pequenas lagoas intactas
ainda no frescor do amanhecer e muito suor! Muito suor...
Que, só não é maior
que o cansaço quando se determina subir os quase 4 km de uma das maiores serras
das redondezas: a famosa Serra de Belo Campo. Não mais perigosa que a antiga
estrada de terra, diga-se de passagem, que ligava as duas cidades!
Quase ao meio dessa serra, onde se
extraiu sedimento pra construção do asfalto está, a divisa dos dois municípios.
Ao seu término, o sonho de todo ciclista: reta para se pedalar de mãos ao ar
sem se preocupar com o que vem pela frente!
Divisa entre os municípios de Tremedal e Belo Campo (Foto: Heloísa Bitú) |
Monumento da giratória na entrada da cidade Belo Campo/BA (Foto: Fabrício Ferraz) |
Ao longe, se avista Belo Campo e
quase todas as suas casas construídas... Ruas que se perdem no horizonte. Seu
planalto contribuiu significativamente para sua projeção. Vamos além... É a
Brasília baiana! Aqui, carro e moto são veículos raros.
O negócio é andar de
bicicleta. Ora, nem uma ladeirinha sequer para sair da monotonia, quem é doido
de gastar gasolina! Homens e mulheres, idosos e crianças de bicicleta cruzam as
ruas da “capital brasileira”.
O trânsito é tão tranquilo, que há até quem
utilize o WhatsApp montado e em movimento! Lamento, infinitamente, não ter
fotografado a cena.
Paramos à frente de um mercantil,
compramos suco, barras de cereais e água. Reabastecemos e continuamos pedalando
e apreciando as cenas rotineiras do amanhecer das pequenas cidades
interioranas. Decidimos que o retorno seria diferente!
Enfrentaríamos um verdadeiro
circuito mountain bike. Desceríamos a Serra de Belo Campo pela antiga estrada
de terra. E assim, foi. Lindas paisagens, muita adrenalina, obstáculos
radicais... Até fizemos comparações com o trajeto para o Vale do São Romão, de
Altaneira/CE. Mas, no momento, a Serra do São Romão nos pareceu “fichinha”.
Muita confiança e alguns quilômetros
depois, já ao finzinho da ladeira, ladeira da memória... Ladeira que fazia as
mulheres de pau de arara descer rezando... E, um final trash para a nossa
aventura! Um tombo! Um tombo, feio. Daqueles espetaculares... Bonito de se ver
e trágico pra quem sofre! Havia uma pedra no caminho, bem no pneu da frente. E
o ciclista intrépido para ficar de pé, antes que a poeira baixasse, esqueceu de
ver os ferimentos para conferir o estado da bike. Agora que havíamos concluído
metade do trajeto de volta para casa. Afinal, ninguém merece ter que concluir o
roteiro com a bicicleta no ombro! Um motoqueiro solidarizou-se com aqueles dois
lunáticos que estavam ali parados bem no meio da estrada, pra ver se
precisávamos de ajuda, mas como aparentemente parecíamos bem, apenas assinalou
a existência de uma barragem próxima onde poderíamos lavar melhor as
escoriações.
E vamos aos prejuízos: uma semana, no mínimo, para restabelecer o
vigor físico, um capacete estraçalhado, um guidão completamente torto, quebra
do passador de marchas esquerdo, e o sumiço de um pisca alerta! Que maravilha!
E que maravilha!!!!
A Queda de Fabricio (Fotomotagem: Heloísa Bitú) |
Paramos mais à frente no Povoado de
Pé da Serra e contamos com a hospitalidade do Sr. Renir. O dono do bar nos
convidou pra sentar, esperar esfriar o sangue e fazer assepsia dos ferimentos
de Fabrício.
Seu Renir é um típico dono de botequim, piadista, desses que não
dispensa um quadro da equipe local futebolística bem no meio da parede, fumo de
rolo e já atende os clientes de fogo! Convenceu-nos a filmar nossa passagem
pelo seu bar e só nos liberou depois da exibição da cena, da qual o ator
principal não éramos nós, mas ele mesmo! Foi o momento para descontrair e
encontrar forças para continuar.
Chegada ao Hospital de Tremedal
(Foto: Heloísa Bitú)
|
De chegada em Tremedal, fomos direto
ao Hospital Municipal Dr. Adelmário Pinheiro, verificar direitinho os
machucados de Fabrício para não assustar tanto o pessoal de casa. No momento,
estamos avaliando quando retornaremos às bikes e quais percursos ainda são
possíveis realizar antes de voltamos pro Ceará.
Texto Heloisa Bitu com a pequena colaboração de Fabricio de Ferraz.
Texto Heloisa Bitu com a pequena colaboração de Fabricio de Ferraz.
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