Com
quantas pedaladas se constrói uma sociedade mais honesta? Feita assim de
repente, a pergunta leva a uma série de divagações, todas muito pouco
conclusivas. Tentando encontrar esta e outras respostas, me escalei para
acompanhar a 4ª Pedalada anual Contra a Corrupção – que teve início às 7h de
ontem e percorreu mais de 23km em protesto contra o “descalabro”.
Como
não podia deixar de ser, a missão começou cedo. Pelas 6h30min, diversos
ciclistas já se aglomeravam na sede da Coelce, ponto de partida do percurso, no
José Bonifácio. A preparação foi organizada, rápida e fácil: com cinco minutos,
já tinha em mãos a camiseta oficial do evento e a bicicleta que guiaria pelo
trajeto. Tudo grátis e aberto ao público.
Após
me alongar e deixar meu “não” contra a corrupção no mural do evento, iniciei
peregrinação ao Lago Jacarey – sim, foi um percurso longo. Em todo o caminho, o
locutor do carro de som nos lembrava que a corrupção tem mil faces. “Se você
suborna um agente de trânsito para não receber multa, isso é corrupção”. “É
isso aí!”, endossava mentalmente.
“Se
você fura a fila ou deixar alguém furar, isso é corrupção também”. “Vixe”,
pensei envergonhado, lembrando dos amigos e paqueras que “cortei caminho” em
longas filas. “A pequena corrupção é base que sustenta a grande corrupção”, me
punia, altivo, o locutor. Constrangido, fitei o chão e pensei no perrengue que
teriam passado pessoas cujos espaços rifei indiretamente.
A
ação acabou focada na conscientização de cada um – sem gritos de “fora Dilma”
ou disparates raivosos contra partido A ou partido B. Bacana. Mesmo não sendo
dos mais ativos fisicamente – meus domingos tem mais a ver com galeto de
padaria e cerveja gelada –, fiquei um pouco incomodado apenas com a marcha
lenta no início do evento. Mas é isso, a corrupção não será eliminada de uma
vez só.
No
longo percurso, onde cada ladeira era quimera comparável a uma maleta de
propina, fui percebendo uma tendência. Mais do que preocupados com deputados ou
novo escândalo na Petrobras, ciclistas se reconheciam de pedaladas pregressas,
conversavam e riam entre si. Novos laços de amizade e com a cidade sobre duas
rodas deixam claro que, ao menos nisso, Fortaleza tem mudado bastante. Para
melhor.
Publicado originalmente O Povo Online
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