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13 de setembro de 2013

Fausta Venâncio, a primeira professora de Altaneira

Fausta Venâncio
Sentamos na sala, gravador sobre a mesa e cadeiras bem próximas. O ouvido já não é mais o mesmo de anos atrás. Agora ele falha, engana, deixa passar despercebido algum som ali ou aqui. Senhora de quase 98 anos, Fausta Venâncio David, foi professora a vida toda. Mas não só isso, foi a primeira professora do Município de Altaneira.

- Eu queria saber de quando a senhora ensinava aqui em Altaneira, perguntei.
“Por que?”, retrucou.

- Ora, por que a senhora foi a primeira professora da cidade. Isso é importante.

Ela me abriu um sorriso meio tímido, meio orgulhoso. Fausta carrega consigo o peso da idade e dos anos de trabalho. Hoje, pequena e frágil, parece reconhecer que o tempo é imperdoável. 

“Minha filha, eu era tão forte. Eu briguei muito com menino. Eu não era gentil, não”, relata. E ainda completa: “Tinha que ser assim”.

Ela teve que se mostrar forte desde seus primeiros anos de juventude. Natural de Santana do Cariri, lá logo perdeu o pai e depois a mãe. Sozinha, Fausta logo aprendeu a crueldade do mundo em que vive. Precisou encontrar uma profissão, escolheu seguir os passos da tia: professora. Aprendeu tudo o que podia com ela e um pouco mais com outros conhecidos da área, algum tempo depois já ensinava. Se perguntar com quantos anos começou a trabalhar, “Lembro não, minha filha, faz tantos anos...”, ela responde com a voz falhando pelo peso do tempo.

Passou uma temporada em Assaré e depois fixou residência em Altaneira. Numa sala de aula improvisada na sala de estar de sua casa, Fausta organizava os alunos em turmas por idade. “Ensinei pra tanto menino”, desabafa. Eram 10, 20 mil réis de pagamento por aluno. Muito pouco, Fausta concorda. Apesar de única, a economia e desigualdade do tempo não lhe permitia qualquer maior conforto que fosse.

O contexto pedagógico da época dava a Fausta poucas alternativas de ensino: ou era dura e firme, ou não havia menino em sala de aula. A palmatória era instrumento de trabalho cotidiano. “Eu usava quando eles erravam”, declara segurando a peça fria e rígida. “Era assim naquele tempo”, finaliza. E quando perguntada se seguia modelos de outros professores e professoras, “Eu é cá, eles é lá. Só sei de eu cá” responde.

Encontro: Fausta e Aurecília. Palmatória era castigo para quem errava

Mas nem tudo era determinação da rigidez do tempo. Fausta tomava para seu método, usar poesia para incentivar o estudo das crianças a quem ensinava. Toda semana, em sala de aula, acontecia um recital. De certo que ainda soava um descompasso as poesias difíceis à leitura de crianças, mas a arte deu um tom à formação. Mas caso errasse o verso, castigo. Lá estava o temor da palmatória.

Gentil como ela só, não parece nada com o mito que ronda a cidade de que Fausta, a professora, é bruta, dura e má. Conversamos por vezes a fio e de seus lábios envelhecidos saia o mais doce mel de bondade em suas palavras. Enrijeciam, porém, ao contar sobre o cansaço que todos aqueles anos de sala de aula, de menino trabalhoso e giz na lousa.

Aos que hoje são nossos avós, devem sua formação educacional à Fausta – que detesta ser chamada de “Dona”. Apesar de estar claro em seu rosto e pelas rugas em sua face, os pronomes que indicam idade são rejeitados por ela. Primeira professora a fincar vida em Altaneira, a dedicar-se à missão de compartilhar de seu conhecimento tanto de estudo, quanto de vida aos meninos e meninas daquela pequena cidade.

Mãos calejadas

Mas ela parou. Parou porque precisava respirar. Parou por que o cansaço era tanto. Parou porque já não tinha mais tanta força para ficar horas seguidas de horas em pé, explicando assuntos desde Matemática à Literatura. “Ensinei até me cansar, até dizer que não queria mais ensinar”, expõe com facilidade. Fausta transmite de si a certeza de que fez o que tinha de fazer e mais feliz por isso não poderia ficar. “Até hoje tem gente que vem e diz ‘Fausta eu queria que tu ensinasse meu filho’, mas eu não vou mais ensinar. Tô cansada, né não?”.

Fausta se cansou de ensinar menino a ler o mundo, mas seu mito continua vivo na cidade. Eu lhe pergunto se se encontra mais como educadora ou como professora, ela simplesmente responde que não sabe o que foi. “Quem sabe é Deus”. E, em contrapartida, me pergunta se estou conversando com ela porque quero ser professora. Respondo com leve sorriso que não, que vou ensinar de outro jeito.

Fausta carrega anos, tempo e meninos nas costas. Sua vida foi dedicada a educar crianças e jovens das cidades em que passou. Fausta carrega história e tradição nas costas, por isso anda tão vagarosa e curvada pela casa, pela antiga sala de aula. Cansada, mas feliz. Está estampado em seu rosto, como um estandarte à mão, a felicidade e orgulho que carrega de ter feito o que fez pela cidade. “Eu gostava muito de ensinar, não faria outra coisa que não isso”, declara. E brinca: “Mas gostava muito de dançar também, afinal, quem não gosta?”.


3 comentários:

  1. Fiquei muito emocionada com a reportagem sobre Fausta Venâncio.Amo esta mulher guerreira.Saudades Fausta!Quantos anos fazem que não nos vemos!Talvez uns 16 anos.Sou Maria Nilza de Lima Venancio, fui casada 23 anos com um sobrinho dela-Francinildo Venancio.Amava muito meu sogro,seu irmão,hoje falecido-José Venâncio Júnior (Casado).

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  2. Minha Tia,
    Você é uma criatura linda que Deus colocou em meus caminhos
    Com todo o encanto e sua magia, concentrado nas três palavras: Amor, Tolerância e Humildade. Se sairmos destas palavras nada temos. Obrigado por você existir...
    Não tenho nada que possa recompensar ter uma amizade tão linda assim...
    Apenas digo obrigado...Um cheiroooo. To morrendo de saudade.

    Gutemberg Braga David

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