Sessão de abertura dos trabalhos do segundo semestre de 2013 - foto Fellipe Sampaio |
Às
vésperas da retomada do julgamento da Ação Penal 470, quando o STF irá examinar
os recursos dos 25 condenados, o ambiente no Tribunal é descrito da seguinte
forma por Felipe Recondo e Debora Bergamasco, repórteres do Estado de S. Paulo,
com trânsito entre os ministros:
“(…)
há ministros que se mostram ‘arrependidos de seus votos’ por admitirem que
algumas falhas apontadas pelos advogados de defesa fazem sentido. O problema
(…) é que esses mesmos ministros não veem nenhuma brecha para um recuo neste
momento. O dilema entre os que acham que foram duros demais nas sentenças é
encontrar um meio termo entre rever parte do voto sem correr o risco de sofrer
desgaste com a opinião pública.”
Pois
é, meus amigos.
Após
quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF
estão com medo. Não sabem como “encontrar um meio termo entre rever parte de
seu voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.”
É
preocupante e escandaloso.
Não
faltam motivos muito razoáveis para um exame atento de recursos. Sabe-se hoje
que provas que poderiam ajudar os réus não foram exibidas ao plenário em tempo
certo. Alguns acusados foram condenados pela nova lei de combate à corrupção,
que sequer estava em vigor quando os fatos ocorreram – o que é um despropósito
jurídico.
Em
nome de uma jurisprudência lançada à última hora num tribunal brasileiro,
considerou-se que era razoável “flexibilizar as provas” para confirmar
condenações, atropelando o direito à ampla defesa, indispensável em Direito.
Centenas de supressões realizadas pelos ministros no momento em que colocavam
seus votos no papel, longe das câmaras de TV, mostram que há diferença entre o
que se disse e o que se escreveu.
O
próprio Joaquim Barbosa suprimiu silenciosamente uma denúncia de propina que
formulou de viva voz, informação errada que ajudou a reforçar a condenação de
um dos réus, sendo acolhida e reapresentada por outros ministros.
Eu
pergunto se é justo, razoável – e mesmo decente – sufocar esse debate. Claro
que não é.
É
perigoso e antidemocrático, embora seja possível encher a boca e dizer que tudo
o que os réus pretendem é ganhar tempo, fazer chicana. Numa palavra, garantir a
própria impunidade.
Na
verdade estamos assistindo ao processo em que o feitiço se volta contra o feiticeiro.
E aí é preciso perguntar pelo papel daquelas instituições responsáveis pela
comunicação entre os poderes públicos e a sociedade – os jornais, revistas, a
TV.
O
tratamento parcial dos meios de comunicação, que jamais se deram ao trabalho de
fazer um exame isento de provas e argumentos da acusação e da defesa, ajudou a
criar um clima de agressividade e intolerância contra toda dissidência e toda
pergunta inconveniente.
Os
réus foram criminalizados previamente, como parte de uma campanha geral para criminalizar
o regime democrático depois que nos últimos anos ele passou a ser utilizado
pelos mais pobres, pelos eternamente excluídos, pelos que pareciam danados pela
Terra, para conseguir alguns benefícios – modestos, mas reais — que sempre
foram negados e eram vistos como utopia e sonho infantil.
(A
prova de que se queria criminalizar o sistema, e não corrigir seus defeitos,
foi confirmada pelo esforço recente para sufocar toda iniciativa de reforma
política, vamos combinar.)
No
mundo inteiro, os tribunais de exceção consistem, justamente, num espetáculo
onde a mobilização é usada para condicionar a decisão dos ministros.
“Morte
aos cães!”, berravam os promotores dos processos de Moscou, empregados por
Stalin para eliminar adversários e dissidentes.
Em
1792, no Terror da Revolução Francesa, os acusados eram condenados sumariamente
e guilhotinados em seguida, abrindo uma etapa histórica conhecida como
Termidor, que levou à redução de direitos democráticos e restauração da
monarquia.
No
Brasil de 2013, a pergunta é se os ministros vão se render ao medo.
Publicado originalmente no blog do Paulo Moreira Leite no portal da IstoÉ
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