A
eleição do papa Francisco (Jorge Mário Bergoglio), mesmo sendo o primeiro papa
latinoamericano, não deve alterar a suspensão de ordens do Pe. Cícero. Os fatos
considerados “milagrosos”, “extraordinários” ou “embuste”, ocorridos em missa
na capela de Juazeiro, em março de 1889, envolvendo a beata Maria de Araújo e o
Padre Cícero Romão Batista deram ensejo a negociações políticas e religiosas,
pressões populares, investigações eclesiásticas e, finamente sua negativa e
punição canônica aos envolvidos no caso, especialmente a suspensão das
prerrogativas sacerdotais do Pe. Cícero (1894).
Embora,
as romarias e referências ao suposto milagre da transformação da hóstia em
sangue na boca da beata tenham sido proibidas oficialmente pela hierarquia
católica, a religiosidade popular foi gradativamente canonizando o Pe. Cícero
como milagreiro, ao mesmo tempo em que o respaldava em sua ascensão econômica e
liderança política local e estadual. Bastando atentar para o acelerado
crescimento populacional e econômico daquele vilarejo, levando-o à emancipação
política, e às práticas políticas do líder religioso harmonizadas com o modelo
coronelístico e oligárquico vigentes.
Assim,
ao longo dos anos até sua morte em 1934, consolidou-se a devoção popular ao
“Padim” num processo de sua incorporação informal pela ortodoxia católica, que
auferiu ao longo de mais de um século de todos os benefícios materiais e
simbólicos dessa herança “herética”. Vide doação dos bens do Pe. Cícero aos
Salesianos, manutenção e ampliação de irmandades, simbiose da devoção ao
“Padim” com os festejos dos santos oficiais até os dias de hoje...
Para
o povo, em grande parte ignorante dos complexos meandros teológicos, canônicos
e institucionais da Igreja católica, o Padre Cícero continua a ser padre, é o
Padim, é um santo. Para a Igreja, reabilitá-lo das ordens é oficializar uma
rebeldia já explicitada e condenada, inclusive com excomunhão, o que não fará
coerente com sua característica de instituição voltada ao monopólio da dispensa
dos bens de salvação.
A
Igreja, hoje adaptada, beneficiária e coordenadora dos festejos e culto à
pessoa do Padre, porque refém da poderosa força religiosa e política dessa fé
do povo, sem jamais entronizá-lo em seus templos, poderá até beatificá-lo, mas
muito dificilmente reabilitá-lo no atual papado, como não o fizeram os dez
papas anteriores.
Artigo publicado originalmente no Jornal O Povo
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