Antropóloga Elsja Lagrou em palestra no Museu do Índio – foto Vladimir Platonow |
O
movimento indígena brasileiro vive um momento delicado, ante as pressões de
setores econômicos e políticos que cobiçam as terras e aldeias indígenas para a
exploração de madeira, agricultura ou recursos naturais e minerais. A avaliação
é da antropóloga Elsja Lagrou, professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), que adverte para uma perda de direitos históricos, duramente
conquistados pelos índios nas últimas décadas.
Segundo
ela, um exemplo disso é a possível aprovação da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC 215/2000), que inclui nas competências exclusivas do
Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios, a criação de unidades de conservação ambiental e a
ratificação das demarcações já homologadas.
“Estamos
vivendo um momento perigoso, com o ressurgimento de uma ideologia
desenvolvimentista que não sabe avaliar os riscos que os recém-conquistados
direitos dos índios estão correndo hoje em dia. Isso acontece quando se começa
a recolocar em questão os direitos ao território e os direitos à continuação a
um estilo de vida. Essa euforia desenvolvimentista está colocando em risco muitas
conquistas indígenas, que só vão poder se consolidar se os índios ganharem cada
vez mais espaço para se fazer ouvir, nas universidades e nas grandes
metrópoles”, disse Elsja.
Além
das pressões sobre as terras indígenas no interior do país, um exemplo de perda
recente, segundo ela, foi a experiência da desocupação do antigo Museu do
Índio, no Rio de Janeiro, quando índios e integrantes da sociedade civil foram
retirados com violência policial do imóvel, no dia 22 de março. O local onde
nasceu o Serviço de Proteção ao Índio, no século passado, vai ser transformado
em um museu olímpico, por determinação do governo do estado.
“Foi
um momento que colocou em relevo uma questão que não se reduz à dimensão
indígena. Qual o preço que a cidade vai pagar para receber grandes eventos?
Nacionalmente e internacionalmente houve muita divulgação desse embate e a
visibilidade da presença indígena na cidade é muito importante. A questão
precisa voltar a receber a atenção de uma década atrás, quando havia uma
atitude muito mais aberta para as sociedades indígenas”.
A
antropóloga defende a criação de um centro de referência indígena que garanta
apoio aos índios em trânsito na cidade, principalmente estudantes, como era a
ideia dos manifestantes que ocuparam o antigo Museu do Índio. “É crucial ter
esse centro, onde possa existir uma troca à altura da riqueza dos conhecimentos
indígenas, além de garantir a possibilidade de um pouso [para os viajantes de
outras aldeias]. O aumento do número de estudantes indígenas vai fazer com que
essa necessidade seja mais sentida. Alguns centros de estudos estão sendo
criados, mas precisam de apoio político para se desenvolver”.
A
professora contesta o conceito daqueles que não reconhecem o índio urbano,
pelo fato de não usar indumentária típica ou de utilizar vestimentas típicas
das cidades e equipamentos tecnológicos como computadores e telefones
celulares.
“O
que é responsável pelo pertencimento a uma identidade, a uma etnia, é a
consciência e a autoatribuição de um pertencimento a um grupo étnico e o
reconhecimento pelos outros que essa pessoa pertence a esse grupo. O lugar não
determina de jeito nenhum a consciência de pertencimento e as roupas, muito
menos ainda”.
Para
ela, a noção de que o índio verdadeiro é só o que vive na floresta reflete uma
visão extremamente preconceituosa. “Existe [este preconceito] e tem sido usado
politicamente para diminuir os direitos indígenas. Existe historicamente muito
mais pessoas com herança indígena do que tem sido reconhecido. Esse argumento
de que só é índio quem vive na floresta e que só é índio quem anda nu é
hiperpreconceituoso e discriminador, para poder diminuir a chance dos indígenas
exigirem o respeito aos seus direitos. É uma definição limitadora do que é
identidade indígena, por parte de pessoas que competem com os índios pela
terra”.
Com
informações Agência Brasil
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