Depois
de ter anunciado o fim do blog Viomundo, na semana passada, o jornalista Luiz
Carlos Azenha publicou uma nota hoje (01/04) demonstrando a intenção de iniciar
novos projetos jornalísticos.
A decisão de deixar de editar o blog aconteceu após uma série de processos movidos contra ele em razão de críticas direcionadas à Rede Globo e ao diretor de Jornalismo da emissora, Ali Kamel. Em nota, Azenha disse que pretende contar com a colaboração de diversos profissionais da mídia alternativa neste projeto.
A decisão de deixar de editar o blog aconteceu após uma série de processos movidos contra ele em razão de críticas direcionadas à Rede Globo e ao diretor de Jornalismo da emissora, Ali Kamel. Em nota, Azenha disse que pretende contar com a colaboração de diversos profissionais da mídia alternativa neste projeto.
Segundo
ele, o comentário de um leitor no Facebook o fez repensar a importância do
trabalho desenvolvido no blog. “Achei muito bacana ver que um trabalho coletivo
como o nosso, organizado por poucos mas que afeta muitos, ainda que precário e
improvisado, seja capaz de tocar desta forma uma pessoa”, escreveu ele.
Disse
que, a partir disso, junto de Conceição Lemes e Leandro Guedes, pensou em
refundar o site. “Acreditamos ter chegado a uma proposta que permitirá ao
Viomundo não morrer, mas renascer das cinzas.”, encerrou Azenha.
Leia
abaixo a nota originalmente publicada no blog Viomundo, por Luiz Carlos Azenha:
“A
ideia de puxar o plug e simplesmente deslogar o Viomundo, depois de mais de 10
anos de existência, foi pessoal, familiar e amadurecida ao longo do tempo.
Confesso: me emocionei com a tremenda onda de solidariedade de todos vocês nas
redes sociais, que surpreendeu mesmo os meus melhores amigos. Minha mãe, de 88
anos de idade, recém-recuperada de uma operação de cataratas e, portanto,
testando a nova capacidade visual no computador, riu muito de uma foto
inventada pelo Gerson Carneiro, ainda que não tenha entendido muito bem o
motivo de todo aquele fuzuê: estava muito mais interessada no programa da
Fátima.
Em
minha participação no I Encontro Nacional de Blogueiros, fiz duas observações
em meu discurso: revelei minha antipatia à ideia de depender de governos, que
mudam de opinião e de prioridades ao longo do tempo e que, frequentemente,
acreditam que o dinheiro do Estado, que deveria ser investido em políticas
públicas de longo prazo — por exemplo, na promoção da diversidade cultural e
pluralidade de ideias — lhe pertence, quando este dinheiro é, evidentemente,
público. Propus, na ocasião, uma cooperativa de blogueiros que vendesse clics
coletivamente no mercado.
Meu
segundo ponto: a crítica da mídia estava desgastada, como se fosse um
pensamento único de esquerda, e era preciso gerar pauta e conteúdo próprios.
Explico:
o grande poder da mídia corporativa no Brasil é o de definir a agenda do debate
político. O tal consórcio midiático é formador de consensos: haverá um apagão
que provará a incompetência geral do governo trabalhista, as filas de navios
significam que é preciso privatizar os portos, a Petrobras é um fracasso e
precisa ser “reestatizada” (isso do povo da Petrobrax, dos que faliram a
indústria naval e que defendem a terceirização) e o mensalão foi o maior
escândalo da História da República que merece um replay de 18 minutos no Jornal
Nacional às vésperas da eleição municipal de São Paulo.
Embora
não sejam mais completamente reféns da pauta da direita, os meios progressistas
ainda subsistem dentro de um espaço de debate cujos marcadores são definidos
pela grande mídia. Se o telejornal de maior audiência do Brasil tivesse
dedicado uma boa parte de seus recursos e competência editorial aos incêndios
nas favelas paulistanas, por exemplo, durante o governo do ex-prefeito Geraldo
Kassab, é provável que um grupo muito maior de brasileiros se interessasse pelo
assunto, cobrasse explicações e, lá no fim, seria levado pelo menos a especular
se alguns episódios foram intencionais, obedecendo à politica de expulsar os
pobres que tão bem serve à especulação imobiliária.
Nada
disso aconteceu, obviamente e nenhum meio de esquerda que conheço detém os
meios financeiros para bancar uma investigação de longo prazo sobre o assunto.
Portanto,
voltamos à questão financeira e, apesar das generosas ofertas de ajuda que
recebemos nas últimas horas, é óbvio que elas não resolvem os problemas de
fundo, que são os que nos interessam. A ação que Ali Kamel venceu, apenas na
primeira instância, nunca foi a questão central, mas sim a incapacidade de
enfrentar a ofensiva da direita sem as mais simples ferramentas para fazê-lo.
Como
tocar um blog que não aceita patrocínios de governos, empresas públicas ou
estatais — uma decisão tomada porque esperamos que Globo, Veja, Folha e Estadão
nos sigam — e ainda assim tenha capacidade de debater políticas públicas de
forma relevante, sem apenas reproduzir opinionismo político? Acreditamos que o
Estado deva adotar políticas que incentivem a diversidade e a pluralidade,
conforme previsto na Constituição. Que combata a propriedade cruzada.
Acreditamos que o Parlamento deve cuidar do Direito de Resposta, uma forma de
evitar a judicialização que leva desiguais para se enfrentarem num campo em que
prevalece o poder econômico — dos advogados e lobistas.
Isso
se agrava pela nossa leitura da conjuntura internacional, que continua muito
negativa: depois dos baques de Wall Street e do euro, o neoliberalismo se
reorganiza num poderoso tripé: na indústria financeira, que pendurou e continua
pendurando a conta nas costas dos direitos sociais, na crescente influência do
dinheiro no processo político — basta ver a decisão da Suprema Corte Americana
que permite às corporações doarem a campanhas como se fossem ‘indivíduos’, de
forma ilimitada — e, acima de tudo, em uma mídia oligopolizada, de discurso
quase unificado, que acima de tudo defende seus interesses econômicos
associados ao neoliberalismo. Quando foi o último trabalho de fôlego da
imprensa paulistana sobre o adensamento da cidade, se saem todos aqueles
anúncios da Abyara nas edições de domingo?
Com
as grandes corporações de mídia, vivemos uma espécie de Gulag ao contrário:
nosso corpo está livre, mas nosso pensamento frequentemente é prisioneiro de
uma pauta que não nos interessa e, mais que isso, desconhece o interesse
público, precariza as relações de trabalho e concentra ainda mais o capital na
mão de poucos.
A
contra-ofensiva neoliberal está em andamento, acreditem: pelo urânio do Mali,
pelo petróleo da Líbia, pelas reservas do Orinoco na Venezuela, pelo gás
boliviano, pelo pré-sal brasileiro. O neo-imperialismo não obedece apenas às
regras clássicas, de conquista militar.
Associado a interesses nacionais, ele faz lobby no Congresso, compra
bancadas e trabalha silenciosamente nos bastidores. No Brasil, a mídia
corporativa, concentrada em níveis inéditos, é uma espécie de aríete, capaz de
arrombar a porta e implantar ministros-lobistas num governo do Partido dos
Trabalhadores!
Sempre
perspicaz, o senador Roberto Requião revelou o que está por trás da “falência”
da Petrobras, por exemplo.
Estamos
entregues às grandes corporações, que implantam vastas extensões de eucalipto,
criam empregos de alta qualidade em seus países de origem, agregam valor à
terra e ao sol brasileiros, exportam água embutida em seus produtos e nos
deixam com os danos ambientais. Vale o mesmo para o agronegócio.
Estamos
entregues em Carajás, com o fenomenal trem que arranca o minério num ritmo que
não obedece a prioridades brasileiras, mas às necessidades de lucro da
associação entre o grande capital internacional e o trabalho escravo chinês,
que produz as bugigangas posteriormente exportadas para os Estados Unidos, via
Wal Mart, para entre outros motivos manter baixa a inflação e dar à classe média
local a sensação de que ela consome, logo existe!
Como
se diz no Amapá, foi o manganês da Serra do Navio que financiou o Plano
Marshall!
Estamos
entregues na transformação dos rios amazônicos em fontes de energia para as
grandes mineradoras; Tucuruí nasceu do interesse do Japão de se livrar de suas
indústrias eletrointensivas e poluentes. O Brasil fica com o trabalho sujo,
enquanto eles desenvolvem alta tecnologia e os empregos do futuro em solo
japonês.
Nada
disso é discutido com profundidade em nossa grande mídia.
Nosso
único recurso — o daqueles que pretendem discutir questões essenciais ao futuro
do Brasil sem o cabresto da mídia — é a solidariedade humana, que foi o que
vocês demonstraram com profundidade nas últimas horas. Recentemente, li na
revista Economist — de todos os lugares! — uma pesquisa sobre a necessidade que
as pessoas têm de de sentirem úteis ao mundo, de deixarem sua contribuição, de
acreditarem que fazem a diferença. Obviamente o viés da revista servia às
grandes empresas, já que as estimulava a incentivar os empregados a se
engajarem em ações filantrópicas. O altruísmo de funcionários utilizado para
valorizar a marca!
Mas
a solidariedade genuína, idealista e altruísta de todos vocês finalmente me
convenceu. A mensagem decisiva veio do João Carlos Cassiano Ribeiro, que não
conheço pessoalmente, via Facebook. Diz:
Boa
noite!!!!
Não
sei se o Azenha vai ler isto, mas gostaria que servisse de incentivo.
A
um bom tempo me acostumei a ler blogs e abandonar jornais escritos.
Quando
aconteceu o primeiro blog que conheci foi o Viomundo, desde então aprendi a
conhecer o mundo pelo seu site.
Gosto
dos colaboradores e fotos das reportagens históricas feitas pelo jornalista.
Hoje
acordei incomodado com o papel que a tv e o CQC exercem na nossa vida. Passei o
dia incomodado com o baixo nível intelectual da tv e o comportamento fascista
que noto nela.
Até
imaginei que se fosse eu no lugar do Genoino ou do Clodovil durante a agressão
a que Pânico e CQC os submeteram, acho que não suportaria.
Ser
humilhado em frente a tv toda semana, não sei se aguentaria.
Fiquei
feliz ao ver seu post sobre seu pai, imaginei que os fascistas passarão mas os
bons permanecem sempre. Foi um sopro de alegria na minha tristeza.
Como
já havia acontecido em outras oportunidades com o Viomundo, resgatei um pouco
da dignidade e do respeito ao ser humano, voltei a acreditar na capacidade
criativa e na solidariedade humana.
Respeito
sua decisão e compreendo sua necessidade, mas me sinto um pouco órfão com o fim
do Viomundo e triste em ver o jornalista abandonando uma das frentes de
trabalho por força da opressão.
Choro
ao escrever essas palavras pois sei que perdemos um espaço vital para nossa
luta. Não sou colaborador e nem costumo interagir com o blog, sou um leitor
anônimo e aprendi a observar o seu blog como um filho observa o pai e aprende e
se orgulha de estar por perto.
Nossa
luta não é partidária ou governamental é pelos mais fracos e pela dignidade
humana.
Sempre
o terei como amigo sem nem o conhecer, pois me orgulho dos meus amigos e me
orgulho muito de você!
Obrigado
por ter tido no Viomundo os melhores exemplos de humanidade e um espaço em que
sempre me senti à vontade.
Achei
muito bacana ver que um trabalho coletivo como o nosso, organizado por poucos
mas que afeta muitos, ainda que precário e improvisado, seja capaz de tocar
desta forma uma pessoa.
Assim
sendo, depois de longas horas de conversa com a Conceição Lemes e o Leandro
Guedes, pensamos num jeito de refundar o site (com o nome provisório de, rsrsrs,
Democratas).
Uma
consulta ao Comitê Central, sempre munidos dos tomos leninistas, nos levou a
decidir:
1.
Conceição Lemes (conceicaolemes@uol.com.br) se torna a editora-chefe do site,
encarregada também da relação com nossos 40 mil seguidores no twitter/facebook;
2.
Leandro Guedes (leandro@cafeazul.com.br) adotará um mix de todas as sugestões
que nos foram feitas por vocês sobre crowdfunding, além de perseguir eventuais
patrocinadores que vocês nos sugerirem; o dinheiro arrecadado com o
crowdfunding será todo reinvestido no site e não será utilizado para bancar
advogados, dos quais já contamos com os competentíssimos Cesar Kloury, Idibal
Pivetta, Airton Soares e um importante escritório de Brasília que ofereceu
ajuda solidária.
3.
Eu me afasto do compromisso diário de passar de 5 a 10 horas diante de um
computador aprovando comentários, traduzindo e publicando textos. Torno-me um
repórter voluntário e não remunerado, além de escrever os tradicionais
comentários sobre mídia e política.
4.
Passo a aceitar, sempre que compatível com minha agenda profissional, todos
aqueles pedidos de entrevistas de estudantes, palestras em universidades e
conferências, se possível associadas a oficinas sobre as redes sociais
oferecidas pela Conceição Oliveira (blogmariafro@gmail.com), que entende tudo
do ramo.
5.
Acima de tudo, passo a me dedicar à área de minha especialidade, que é a
produção de vídeos, mini-docs e docs.
Aqui,
uma explicação se faz necessária. No modelo acertado com o Leandro Guedes, da
Café Azul, que há meses já vinha estudando o assunto, os leitores poderão tanto
indicar as pautas quanto aprovar nossas propostas.
Exemplo:
o Gilberto Nascimento quer escrever uma investigação sobre o poder da Opus Dei
no Brasil. Calcula o tempo que vai levar e a remuneração adequada, por valores
de mercado, à tarefa. Colocamos uma espécie de contador para acompanhar o
avanço da meta. As pautas financeiramente aprovadas serão feitas.
Outros
exemplos hipotéticos: a Conceição Lemes quer ir a Minas Gerais investigar o
choque de gestão dos governos Aécio/Anastasia.
Há
mais de um interessado em fazer um mini-doc sobre o impacto da Globo nas
eleições de 2006 e 2010.
Serão
trabalhos jornalísticos, não de militância, sobre assuntos que a mídia
corporativa brasileira simplesmente desconhece, por não se adequarem àquela
pauta única a que me referi acima.
Eu,
por exemplo, gostaria de investigar pessoalmente o massacre de Felisburgo, na
Bahia, até hoje impune.
O
Lino Bocchini poderia ser convidado para fazer a Coleção Folha: Como Rose
Nogueira ‘abandonou’ o emprego durante a ditadura.
A
Beatriz Kusnir, se aceitasse, poderia fazer uma versão em vídeo do livro Cães
de Guarda, aquele que narra o colaboracionismo da mídia brasileira com a
ditadura militar.
O
Amaury Ribeiro Jr. poderia ficar encarregado, à lá Andrew Jennings, de
perseguir e exigir explicações dos privatas que andam por aí. Nosso Michael
Moore.
Minha
ênfase nos vídeos se deve ao fato de que, eventualmente, eles vão dominar a
internet, à medida em que as conexões se acelerarem.
Finalmente,
queremos aproveitar o imenso potencial de jornalistas — e quantos!!! —
recentemente demitidos, que deixaram suas empresas com boas histórias para
contar e projetos nunca realizados.
Quem
sabe vocês nos ajudam a financiar o sonho destes colegas.
Portanto,
depois de muito matutar, acreditamos ter chegado a uma proposta que permitirá
ao Viomundo não morrer, mas renascer das cinzas.
Aguardem,
que as mudanças serão implantadas lentamente, inclusive em todo o visual do
site.”
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