José Dirceu fala em cima de um fusca em conflito entre alunos do Mackenzie e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em 1968 foto arquivo FSP |
Nas
décadas de 60 e 70, o movimento estudantil universitário brasileiro se
transformou num importante foco de mobilização social. Sua força adveio da
capacidade de mobilizar expressivos contingentes de estudantes para
participarem ativamente da vida política do país.
Dispondo
de inúmeras organizações representativas de âmbito universitário (os DCEs:
diretórios centrais estudantis), estadual (as UEEs: uniões estaduais dos
estudantes) e nacional (representada pela UNE: União Nacional dos Estudantes),
o movimento estudantil, com suas reivindicações, protestos e manifestações,
influenciou significativamente os rumos da política nacional.
A
expansão das universidades
Para
entender como o movimento estudantil universitário tornou-se um importante
fator político devemos, primeiramente, considerar algumas mudanças que afetaram
o sistema de ensino superior público do país. No final da década de 50, ele
começou a crescer, com a criação de inúmeras faculdades e universidades. Num
país em desenvolvimento, o acesso ao ensino superior passou a ser condição
fundamental para acelerar o processo de modernização, ao mesmo tempo que abria
novos caminhos para a mobilidade e ascensão social.
Sua
expansão resultou num aumento progressivo da oferta de vagas, que foram
preenchidas por jovens provenientes, sobretudo, dos estratos médios da
sociedade. As matrículas cresceram a uma taxa média de 12,5 % ao ano. Para
traçar um panorama do aumento das vagas, basta constatar que, em 1945, a
universidade brasileira contava com 27.253 estudantes, total que saltou para
107.299 no ano de 1962. Em 1968, o número de universitários dobrou, chegando a
214 mil.
Ideologia
e política
O
aumento do número de estudantes coincidiu com o crescimento e consolidação de
novas correntes políticas no meio universitário, que passaram a liderá-lo
através do controle dos principais cargos nas mais importantes organizações
estudantis. As novas correntes políticas se tornaram hegemônicas e defendiam
ideologias ligadas à esquerda marxista (ou seja, um projeto socialista de
transformação da ordem social).
Essas
correntes esquerdistas foram bem sucedidas ao canalizarem a crescente
insatisfação da massa jovem diante das deficiências e problemas do sistema de
ensino superior. Desse modo, a década de 60 presenciou as primeiras grandes
mobilizações em defesa de reivindicações de caráter educacional. Na primeira
metade dos anos 60, a chamada "Reforma da Universidade" consistiu na
mais importante luta do movimento estudantil.
Golpe
de 1964
O
golpe militar repercutiu significativamente no movimento estudantil. A
influência das correntes políticas de esquerda levou as autoridades militares a
reprimirem as lideranças estudantis e desarticularem as principais organizações
representativas. Primeiramente a UNE foi posta na ilegalidade, depois as UEEs e
os DCEs. Foram criadas novas organizações e novos procedimentos foram adotados
para seleção de seus representantes.
As
constantes tentativas das lideranças estudantis de retomarem o controle das
organizações foi o principal fator a desencadear novas ondas de repressão
política. Desse modo, reivindicações educacionais e manifestações de protesto
político contra o governo militar foram as principais bandeiras de luta do
movimento na segunda metade da década de 60. O ápice da radicalização dos
grupos estudantis ocorreu em 1968, ano marcado por grandes manifestações de rua
contra a ditadura militar.
O
auge da repressão
O
que parecia ser uma breve intervenção militar na política acabou se transformando
numa ditadura que reprimiu violentamente grupos e movimentos de oposição. De
1969 a 1973, a coerção política atingiu o seu ápice. Neste período, o movimento
estudantil foi completamente desarticulado. A maior parte dos militantes e
líderes estudantis ingressou em organizações de luta armada para tentar
derrubar o governo.
Em
1973, os militares derrotaram todas as organizações que pegaram em armas.
Somente em 1974 começaram a surgir os primeiros sinais da recuperação do
movimento estudantil. A nova geração de estudantes, que militaram e lideraram
as frentes universitárias da década de 70, teve pela frente o árduo trabalho de
reconstruir as organizações estudantis.
A
retomada
O
período em que o movimento estudantil voltou a ter força coincidiu com uma
mudança importante nos rumos da política nacional. Após a escolha do general
Ernesto Geisel para a Presidência da República teve início a implementação do
projeto de liberalização política, que previa a redemocratização do país.
Foi
um processo lento e gradual, que durou até o final dos governos militares. É
importante ressaltar que, neste período, a volta do movimento estudantil não
desencadeou ondas de repressão política como as que foram presenciadas no final
da década de 60 e início da década de 70. A ditadura já não contava com apoio
popular e até mesmo as elites começaram a dirigir duras críticas contra o
governo militar. A luta contra a ditadura foi travada com a bandeira das
liberdades democráticas.
O
ápice da retomada se deu em 1977, ano marcado pela saída dos estudantes para as
ruas. Grandes manifestações de protesto e passeatas públicas mobilizaram os
estudantes em defesa da democracia. As reivindicações de caráter educacional
não obtiveram grande destaque. Foram as reivindicações de caráter político
(defesa das liberdades democráticas, fim das prisões e torturas e anistia
ampla, geral e irrestrita) que se tornaram a grande força motivacional a
mobilizar os estudantes. Passo a passo, as principais organizações estudantis
foram reconstruídas. Primeiramente surgiram os DCEs-livres, em seguida as UEEs
e, finalmente, em 1979, a UNE foi refundada.
Escrito por Renato
Cancian* especialmente para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
*Renato Cancian é cientista social,
mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do
livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política -
1972-1985".
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