Série de fotos de Mariana Gomes dançando até o chão encaminhada em anexo a sua resposta - divulgação |
Há alguns dias foi postada aqui
no Blog de Altaneira uma notícia sobre a dissertação de mestrado que estuda e
pretende desconstruir o funk e sua relação com o feminismo. “My pussy é poder: A representação
feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria
cultural”, projeto de mestrado de Mariana Gomes, da Universidade Federal
Fluminense (UFF), em Niterói, Rio de Janeiro ganhou visibilidade nos portais de
notícias e na grande mídia televisiva por ter como um dos objetos de estudo a
cantora Valesca Popozuda.
A âncora
do Jornal do SBT, Rachel Sheherazade, criticou ferozmente a mestranda por sua
ousadia em trazer à tona as discussões de hierarquia cultural. E não parou por
aí. Com seu discurso ultraconversador e reacionário, Sheherazade destilou preconceito,
machismo e ignorância sobre o projeto, as relações culturais, a popularização
da universidade e o feminismo, como abaixo você pode ver no vídeo.
Mariana
Gomes vem em carta aberta responder aos preconceitos de Rachel Sheherazade
e das muitas notícias conversadoras a respeito do projeto.
Segue abaixo a carta completa.
Segue abaixo a carta completa.
Abaixo a carta-resposta que escrevi ao SBT devido à reportagem sobre meu projeto de mestrado veiculada em rede nacional.
Caros Rachel Sheherazade e equipe do SBT,Eu sou Mariana Gomes, mestranda em Cultura e Territorialidades e responsável pelo projeto My pussy é o poder. Gostaria de agradecer à visibilidade que estão dando ao projeto sobre funk e feminismo. Quero agradecer também por serem claros ao exibirem todo o conservadorismo de Rachel e o oportunismo de vocês. Digo isso porque pretendo pontuar algumas questões nesta carta-resposta, e elas, com certeza, não contemplarão a visão de mundo tão pequena apresentada tanto na reportagem quanto nos comentários da jornalista.Em primeiro lugar, Rachel, logo na apresentação da
matéria, um pequeno erro demonstra seu “vasto” conhecimento sobre a área acadêmica: no mestrado não se faz tese, e sim, dissertação. A tese só chega com o doutorado. Mas tudo bem, este é um erro bastante comum para quem está afastado do ambiente acadêmico e, mesmo assim, pretende julgá-lo ferozmente. Outra questão importante é: frisei em diversos momentos que o projeto não se refere apenas à Valesca, ainda assim preferiram insistir no caso. Perdoados, Valesca é diva, merece destaque mesmo.
Em segundo, mas não menos importante, gostaria de pontuar algo que pra mim é muito caro. Não existe dualidade entre usar o cérebro e outras partes do corpo para produzir qualquer coisa na vida. O repórter disse que eu usei o cérebro para fazer o projeto e que, Valesca, usa ~outras partes do corpo~. Ora, queridos, eu usei muito esse popozão aqui para fazer minhas pesquisas. Dancei muito até o chão, fiz muito treinamento do bumbum e continuo fazendo muito quadradinho de quatro (o de oito não consigo AINDA)! Valesca usa o cérebro tanto quanto eu, você – e mais que Rachel – para continuar seu trabalho. Não julguemos a inteligência de uma mulher de acordo com os padrões estabelecidos. Isso é machismo.
O repórter me perguntou por mais de uma vez se eu tive medo de não ser aceita na academia com meu trabalho. E todas as vezes eu respondi que NÃO TIVE MEDO. Confio no meu potencial, na relevância do tema e, principalmente, na capacidade de renovação e transformação da academia. Quando se trata da UFF, mais ainda, porque conheço o corpo docente e sei a visão de mundo dos professores – nada conservadora, muito mais avançada do que muitos que se dizem avançados.
Não vou comentar sobre o fato de terem entrevistado apenas uma pessoa na rua – e que disse que eu merecia nota zero – porque competência é critério básico para o jornalismo.
Sobre a minha fala: colocaram o que eu disse em um contexto equivocado. Eu não tenho essa visão utilitarista da cultura. Não acho que para acabar com o preconceito precisamos “ver o que eles tem a oferecer”. O que eu estava dizendo ali é que, durante a pesquisa, é preciso abrir a mente e ver o que vamos conseguir extrair da observação participante e o que vamos aprender com o movimento. Afinal de contas, quem tem que oferecer algo sou eu: um bom projeto, que sirva para transformar – ao menos parte – (d)o mundo!
“O papel do funk na cultura, só o tempo dirá”, diz o repórter. ISSO NÃO É VERDADE. O papel do funk na cultura está comprovado. E não por mim, pelo meu projeto, por projetos anteriores, mas pelas práticas cotidianas, pelo seu papel em diversas áreas de conhecimento, em diversos setores da sociedade, pela referência que se tornou para boa parte da juventude brasileira. A reportagem é rasa e não tem qualquer compromisso com a realidade concreta, que já provou há muito tempo o que o funk representa.
Agora vamos ao chorume destilado por você, Rachel Sheherazade: insinuar que a popularização da universidade é ruim fica muito, muito feio pra você. Desculpe-se, por favor. E se o funk fere seus ouvidos de morte, acho uma pena, porque EU ADORO, EU ME AMARRO. E meu recado pra você é: é som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado.
Dizer que produção de cultura vai do luxo ao lixo é de uma desonestidade intelectual sem tamanho. Como eu disse ao G1 e digo diariamente, hierarquizar a cultura só prejudica. Essa hierarquia construída ao longo de séculos e baseada em um gosto de classe muito bem definido, no qual apenas o que elites definem o que é cultura e o que não é – ou, nas suas palavras, o que é ‘luxo’ e o que é ‘lixo’ – precisa ser COMBATIDA. Creio que a academia é SIM uma das trincheiras na luta pela desconstrução desse pensamento elitista, preconceituoso e, para não ser maldosa, desonesto.
Você, Rachel, diz que as funkeiras estão aquém do feminismo. Mas e você? O que sabe sobre o tema? Tendo a acreditar que Valesca sabe muito mais sobre isso do que você, mas estou disposta a ouvir seus argumentos sobre o assunto. Feminismo, assim como o meu projeto, não é piada, é coisa séria, muito séria.
Para concluir, gostaria de te perguntar quais critérios te levaram a questionar a profundidade do meu projeto. Não gostaria de personalizar o problema, mas nesse caso, não tenho outra alternativa. Você sabia que meu projeto obteve nota 8,5 entre vários projetos avaliados? Pois é. Você leu o meu projeto? Pois é. Você sabia que, para ingressar no mestrado, uma prova é aplicada e, nela, precisamos estudar no mínimo 4 livros? Disponibilizo aqui a bibliografia cobrada para tal prova e aproveito para perguntar – não que isso faça diferença, mas quem começou com argumentos sobre profundidade foi você – quais deles você já leu ao longo da vida. No meu projeto também consta parte da bibliografia utilizada por mim. Também questiono: dali, quais livros você já leu, conhece ou ouviu falar?
Peço perdão pelo argumento de autoridade em dizer que é preciso ler para saber das coisas mas, nesse caso, se você me cobra profundidade, eu te cobro conhecimento.
Abra a mente, Rachel! Vem aprender a fazer o quadradinho.Cordial – mas não passiva – mente,
Mariana (popozuda) Gomes
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