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Em Monza, Piquet deu passo decisivo rumo ao tricampeonato mundial (Foto: Williams F1/LAT Photographic) |
Sexta-feira, 30 de outubro de 1987. Suzuka, Japão. Nigel
Mansell guiava sua Williams Honda FW11B de maneira alucinada e lutava como um
leão — honrando o apelido — para tentar conquistar a pole-position do GP do
Japão. Era a chave para reduzir a diferença de 12 pontos que o separava do
líder do campeonato, companheiro de equipe e, talvez, maior rival na carreira:
Nelson Piquet. Contudo, após escapar na sequência de S do circuito japonês, o
britânico rodou e bateu muito forte na barreira de pneus, quase chegando a
capotar.
Sem condições de correr no domingo — ainda que uma lenda da
F1 na época dizia que Dr. Sid Watkins o liberou para disputar a prova —,
Mansell deixou definitivamente a luta pelo título, que ficou com Piquet. Hoje
com 60 anos, o carioca entrou para a história ao ser o primeiro brasileiro
tricampeão mundial na F1.
A temporada de 1987 foi marcada pela rivalidade entre Piquet
e Mansell, que já haviam disputado 'pau a pau’ o título do ano anterior.
Entretanto, foi o cerebral ‘professor’ Alain Prost quem garantiu a taça de
1986. Na primeira corrida de 1987, o GP do Brasil, Prost aproveitou a força do
seu McLaren Tag Porsche MP4-3 para vencer no agora saudoso autódromo de
Jacarepaguá. Piquet foi o segundo colocado, enquanto Mansell foi apenas o
sexto.
Veio então o GP de San Marino, em Ímola. Durante os treinos,
Piquet guiava o Williams FW11, dotado de suspensão ativa, que ele mesmo
desenvolvia. Mas na sexta-feira, sofreu um dos acidentes mais graves da sua
carreira. O pneu do seu carro furou quando ele estava a quase 300 km/h. O então
bicampeão do mundo rodou na entrada da velocíssima curva Tamburello e bateu
forte no muro de forma lateral. Com o impacto, Piquet sofreu lesões no tórax,
pernas e no pé esquerdo, além de traumatismo craniano, e não disputou a
corrida, que foi vencida por Mansell, novo líder da temporada.
Piquet voltou à ativa no GP da Bélgica, que, naquela
temporada, foi a terceira prova do ano. No veloz circuito de Spa-Francorchamps,
Mansell e Piquet comprovaram a força da Williams e fizeram dobradinha na
primeira fila do grid de largada, deixando Ayrton Senna em terceiro e Prost
apenas em sexto. Mas, na corrida, quem se deu bem mesmo foi o francês.
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O brasileiro conquistou três vitórias na temporada do tricampeonato (Foto: Williams F1/LAT Photographic) |
Aproveitando os abandonos de Senna, Mansell e Piquet, Prost
garantiu mais uma vitória, com direito a dobradinha da McLaren — Stefan
Johansson foi segundo — e voltou à liderança da temporada. O resultado em Spa
foi tão surpreendente que Andrea De Cesaris, de Brabham, foi o terceiro,
seguido por Eddie Cheever, da Arrows, e Satoru Nakajima, da Lotus. Na
classificação do campeonato, Piquet era o quarto, com apenas seis pontos —
empatado com Senna —, enquanto Prost disparava na ponta, com 18. O vice-líder
era Johansson, com 13.
A reação de Piquet começou em Mônaco, no fim de maio. O fim
de semana no Principado foi perfeito para os brasileiros da F1. Senna, guiando
o fino com a Lotus Honda, garantiu mais uma vitória nas ruas de Monte Carlo,
com Piquet completando a dobradinha tupiniquim. Como Prost e Mansell não
pontuaram em Mônaco, a diferença de Nelson para os ponteiros começava a
diminuir, enquanto Senna entrava de vez na luta pelo título.
No GP dos Estados Unidos, em Detroit, nova dobradinha
brasileira, de novo com Senna em primeiro e Piquet ao seu lado no pódio.
Ayrton, com o triunfo, assumiu a liderança do campeonato com 24 pontos,
enquanto Prost, terceiro, chegava aos 22. Piquet, em franca ascensão, já era o
terceiro, deixando Johansson e Mansell para trás. O britânico começava a perder
terreno para Piquet no duelo interno na Williams.
Só que o ‘Leão’ reagiu no retorno da F1 à Europa. Freando a
evolução do jovem Senna, Mansell cravou duas vitórias seguidas, na França, em
Paul Ricard, e em casa, no circuito de Silverstone. Piquet não ficou muito
atrás e terminou as duas corridas na segunda colocação. Naquele momento, após o
GP da Inglaterra, Mansell acumulava três vitórias, enquanto Piquet tinha cinco
segundos lugares. A disputa pelo título era intensa. Senna ainda liderava o Mundial
com 31 pontos, mas Mansell e Piquet somavam 30 cada.
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Piquet comemora vitória épica em Hungaroring (Foto: Williams F1/LAT Photographic) |
A guerra de nervos dentro da Williams era enorme entre seus
pilotos. De um lado, Piquet defendia a adoção da suspensão ativa, pois entendia
que, com a inovação, o carro ficava mais equilibrado, competitivo e suave para
guiar. Mansell, por sua vez, era um adepto da suspensão convencional. Piquet
foi para Hockenheim com a suspensão ativa. Mansell, não.
Piquet precisava de uma vitória. Não somente por conta da sua
luta pelo tri, mas, principalmente, para sobreviver ao duelo interno na
Williams, cuja cúpula trabalhava nitidamente em favor do britânico Mansell. E a
vitória veio. Ou melhor, as vitórias.
Mansell largou na pole em Hockenheim, mas quem triunfou foi o
brasileiro, que viu o motor do rival abrir o bico. Novamente em Hungaroring,
Mansell foi pole, mas não completou a prova. Piquet triunfou, seguido por
Senna, na primeira dobradinha brasileira liderada pelo piloto da Williams.
Passada mais da metade daquela temporada, Piquet finalmente
assumiu a liderança e, depois do GP da Hungria, somava 48 pontos, contra 41 de
Senna. Prost, que vinha em performance regular, mas constante, tinha 30,
empatado com Mansell, rápido e, ao mesmo tempo, bastante irregular. O ‘Leão’
tinha de mostrar serviço se ainda quisesse ser campeão naquele ano.
O GP da Áustria, em Zeltweg, teve um começo dos mais
conturbados, com três largadas. Lá na frente, Mansell mostrou que ainda estava
vivo na luta pelo título e venceu a corrida, completando nova dobradinha da
Williams com Piquet em segundo. Teo Fabi, da Benetton, fechou o pódio da prova
que foi marcada por um acidente fora da pista de corrida. Em pé na caçamba de
uma pick-up a caminho do pódio, Mansell, que estava ao lado de Piquet e Fabi,
bateu a cabeça em uma passarela.
Três semanas depois, no GP da Itália, Piquet levou a melhor e
conquistou sua terceira e última vitória naquela temporada. O resultado de
Monza foi ainda melhor porque Mansell cruzou a linha de chegada do mítico
circuito italiano em terceiro, com Senna entre os rivais da Williams. Àquela
altura, Piquet somava 63 pontos, contra 49 de Senna e 43 de Mansell. Como a
Williams tinha o melhor carro, o título parecia questão de tempo para Piquet.
Na corrida seguinte, o GP de Portugal, no Estoril, Piquet
aumentou sua vantagem perante Senna e Mansell, que não completaram a corrida. A
vitória, também pela terceira vez no ano, ficou com Alain Prost, que já não se
configurava mais em uma séria ameaça ao tri de Piquet, que terminou em
terceiro, cruzando a linha de chegada atrás de Gerhard Berger, da Ferrari.
Dessa forma, Nelson tinha 67 pontos, contra 49 de Senna e 43 de Mansell.
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Piquet encerrou relação turbulenta com Williams no GP da Austrália de 1987 (Foto: Williams F1/LAT Photographic) |
Era tudo ou nada para o ‘Leão’. Era vencer ou vencer e ainda
contar com a sorte para tirar 24 pontos de vantagem para Piquet. Missão quase
impossível para o ‘Red Five’, mas bem que ele tentou. Foram duas vitórias em
seguida, na Espanha — após épico duelo contra o rival — e no México. No
circuito Hermanos Rodríguez, a Williams decidiu que não levaria equiparia o
FW11B com suspensão ativa, o que favorecia Mansell, apoiado por Patrick Head,
que desejava ver outro piloto do seu país como campeão do mundo. Assim, o
britânico conseguiu reduzir para 12 pontos a vantagem do brasileiro, faltando
duas corridas para o fim da temporada: Japão e Austrália, onde a Williams
também não levaria suspensão ativa.
E foi no dia 30 de outubro de 1987, numa sexta-feira, que
Piquet entrou novamente para a história do esporte como o primeiro brasileiro
tricampeão do mundo, igualando mitos como Jackie Stewart, Jack Brabham e Niki
Lauda. O ‘Leão’ só teria a chance de conquistar o título da F1 cinco anos
depois, novamente correndo pela Williams.
Exatamente um ano depois de Piquet chegar ao tricampeonato,
Ayrton Senna, na mesma Suzuka, conquistou seu primeiro título mundial. Depois
de fazer uma das melhores corridas da sua carreira, o brasileiro, então com 28
anos, travou duelo histórico com Alain Prost e triunfou em sua primeira
temporada da McLaren.
Publicado
originalmente no portal Grande Premio