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7 de dezembro de 2010

Integra do Parecer do Procurador Eleitoral sobre o recurso do Prefeito no TRE

Exmo. Sr. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará.




  




Ref. Processo n°. 956028-04 – Protocolo nº. 117.044/2008
Classe:           30 – Recurso Eleitoral
Recorrentes: Antonio Dorival de Oliveira
                        Francisco Fenelon Pereira
                        Lourival da Silva Bezerra
Recorridos:   Ministério Público Eleitoral
                        Joaquim Soares Neto
                        Mary de Magdala Eugênio Mudo Gomes
Relator:         Juiz Tarcísio Brilhante de Holanda


EMENTA: RECURSO ELEITORAL. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE VERBA PÚBLICA PARA ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS PARTICULARES. PARTICIPAÇÃO. CARREATA. BENEFÍCIO DE CANDIDATOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INFRAÇÃO CARACTERIZADA. POTENCIALIDADE LESIVA PRESENTE. NÃO PROVIMENTO.



PARECER Nº. 289/2010



Tratam os autos de Recurso Eleitoral ajuizado por Antonio Dorival de Oliveira, Fancisco Fenelon Pereira, e Lorival da Silva Bezerra, respectivamente prefeito, vice-prefeito, e servidor público do Município de Altaneira-CE, contra sentença do Juízo da 53ª Zona Eleitoral – Santana do Cariri, que julgou procedente Representação Eleitoral nº 2923, interposta pelo Representante do Ministério Público, tendo em vista a prática de conduta vedada, nos termos do art. 73, incisos I e III, e §§ 4º e 5º, da Lei nº 9.504/97, cassando os diplomas dos representados, e aplicando multas a cada um dos envolvidos.

Na inicial, aduziu o Ministério Público Eleitoral que os representados teriam maculado a lisura do pleito eleitoral de 2008, no município de Altaneira, mediante conduta vedada a agente público caracterizadora de abuso de poder público. A referida conduta ilegal estaria no uso da administração pública para fins eleitorais, através da distribuição de combustível, custeado pelo executivo municipal, para abastecer veículos de correligionários do então prefeito, e candidato à reeleição, para transporte de eleitores e participação em comício.

A distribuição de combustíveis teria se dado através de vales com o timbre da prefeitura municipal, assinados pelo próprio prefeito, ou pelo chefe de almoxarifado, Lourival da Silva Bezerra, ora recorrentes.

Em realização de diligência para averiguação de denúncia referente a supracitada conduta, agentes da Polícia Federal prenderam em flagrante delito o Sr. Wellington de Alencar, servidor municipal, abastecendo seu automóvel particular com os supracitados vales, e também o chefe de almoxarifado da administração municipal, Sr. Lourival da Silva Bezerra, que confirmou ter emitido os vales.

Foram apreendidos 9 (nove) vales em posse do frentista do posto de gasolina, e material de propaganda eleitoral com o chefe de almoxarifado. Ambos os servidores possuíam também documentos referentes a uma “rota de veículos”, constando uma relação de nome dos motoristas e veículos, que seriam utilizados no transporte de eleitores para participar de comício do prefeito, então candidato à reeleição.

Em contestação, os representantes refutaram as imputações da inicial argüindo basicamente que tais fatos seriam alegações infundadas partidas da coligação de oposição, e que nunca ocorreu distribuição de combustíveis às custas da administração municipal. Ressaltam que todos os vales que foram apreendidos teriam sido emitidos para abastecer veículos oficiais ou à serviço da Prefeitura. Alegam também que não restam nos autos as necessárias provas robustas para caracterizar o ilícito. Ademais, afirmam que não há anexo de causalidade entre a suposta conduta infracional e o resultado das eleições, portanto não haveria a configuração da potencialidade lesiva para influenciar na normalidade e legitimidade do pleito eleitoral.

O juiz a quo que primeiro instruiu o feito, aplicou o instituto da continência entre a presente ação e a Representação nº 2922, que aborda os mesmos fatos, diferenciando-se por pleitear apenas a declaração de inelegibilidade, com base nos arts. 1º, I, alíneas “d” e “h”, c/c art. 22, da Lei Complementar nº 64/90.

Foi interposto pedido de assistência ao Ministério Público, que foi deferido pelo juízo eleitoral.

Após diversos adiamentos, foi realizada audiência de instrução e julgamento, unificada para ambas as ações (representações nº 2922 e 2923), quando foram ouvidas os representados e as testemunhas arroladas pelas partes. Os depoimentos ficaram registrados em mídia de áudio e vídeo (cd), acostado às fls. 209 dos autos referentes á Representação nº 2922.

Nas alegações finais de fls. 151/158, referente a ambas as ações (representações nº 2922 e 2923), o parquet eleitoral reforça que restaram sobejamente comprovadas as imputações da inicial, vez que patente o uso indevido da máquina pública, na distribuição de combustíveis, e utilização de servidores em campanha.

Os promovidos, em contrapartida, apresentaram alegações finais, também referentes a ambas as Representações nº 2922 e 2923, nas quais reiteram que não houve nenhuma ilegalidade, uma vez que todos os veículos abastecidos com os vales combustíveis foram veículos oficiais ou prestadores de serviço da Prefeitura. Arguiram que os servidores públicos agiam fora do horário de expediente, não havendo assim ilícito na sua participação em atividades de cunho eleitoral. Reforçam ainda a ausência de provas robustas para a comprovação do alegado pela inicial, apontando a fragilidade e inconsistência da prova oral pelas testemunhas de acusação. Ademais, apontam ilegalidade na apreensão do vales e demais materiais probatórios, pois teria sido expedido mandado de busca e apreensão para o posto de gasolina. Por fim, ressaltam que deve-se aplicar o principio da proporcionalidade na questão, e que não há potencialidade lesiva nas condutas apontadas.

Na decisão recorrida (fls. 328/344), o eminente Juiz Eleitoral a quo, observou que o processo segui o ritmo correto, obedecendo ao devido processo legal, Empós, o juiz quo, observando que o convencimento deve ser formar também com base em indícios e presunções, julgou procedente a presente ação, entendendo caracterizada a conduta vedada, afirmando que: “... o conjunto de provas demonstra ser idôneo, harmonioso e robusto, não merecendo qualquer reprovação, considerando que foram respeitados os cânones do devido processo legal”.

O juízo a quo considerou ainda presente a potencialidade lesiva de desequilibrar o pleito, pela apertada diferença de votos, e assim,, entendeu ser proporcional a aplicação da sanção prevista em lei, declarando a cassação dos diplomas do prefeito e vice-prefeito, além de aplicação de multa, nos termos dos arts. 224 do Código Eleitoral, e do art. 73, I, §4º e §5º da Lei nº 9.504/97. Vale ressaltar que, como a chapa vencedora das eleições majoritárias, formada pelos recorrentes, obteve mais de 50% dos votos válidos no Município de Altaneira, o magistrado decretou a nulidade da eleição, com base nos art. 222 c/c art. 224 do Código Eleitoral.

Irresignados com a decisão, os representados ajuizaram o presente recursos eleitoral, equivocadamente acostado às fls. 351/370 dos autos referentes à Representação nº 2922. Na época, reprisou os fatos apresentados nas alegações finais, acrescentando que as provas apresentadas são inconclusivas, e que os testemunhos da acusação são imprecisos e confusos. Assim, requereu o conhecimento e provimento do recurso para reforma a decisão de primeiro grau que cominou-lhes a pena de cassação e multa.

Em contrarrazões de fls. 199/2010, argüiu o parquet eleitoral que a conduta dos recorrentes resta sobejamente comprovada nos autos. No entanto, aplicando o principio da proporcionalidade, pugna pela procedência parcial do recurso, no sentido de manter apenas a aplicação da multas, mas evitando a cassação do diploma dos recorrentes.

Ás fls. 212/219, os assistente ministeriais apresentam contrarrazões pugnando pelo não provimento do recurso.

Remetidos a esse Tribunal, vieram, empós, os autos a esta Procuradoria, para exame.

É o breve relatório. Segue o parecer.

QUESTÃO DE ORDEM

Inicialmente, faz-se necessário atentar para alguns equívocos que geraram uma certa dificuldade na análise do processo, sendo necessário discorrer sobre certas questões processuais, antes de adentrar no mérito.
Observa-se que o presente processo foi instruído, em sede de primeiro grau de jurisdição, em apenso à Representação n° 2922, também interposta pelo parquet eleitoral, que trata de pedido de declaração de inelegibilidade, por abuso de poder político (art. 22 c/c art. 1°, I, "d" e "h", da LC 64/90), fundamentada nos mesmos fatos.

Ou seja, enquanto a Representação n° 2922, apesar de possuir fundamentação nos mesmos fatos, trata apenas de abuso de poder, ensejando o pedido pela decretação de inelegibilidade; a presente Representação n° 2923 trata de conduta vedada pelo art. 73 da Lei das Eleições, ensejando a cassação de diploma e aplicação de multa.

Ambas as representações foram julgadas procedentes. com a expedição de duas sentenças separadas, com fundamentos específicos. Para cada sentença foi interposto um recurso eleitoral com argumentos próprios, buscando combater de forma direcionada c independente a respectiva decisão judicial sob censura. Os processos tramitaram apensados um ao outro até a fase de emissão de parecer por este órgão do Ministério Público Eleitoral.

Em primeiro exame, esta PRE percebeu que houve um equívoco formal, pois na folha inicial de cada sentença, a numeração foi posta de forma invertida. Ou seja, na ação de n° 2922, cujo objeto do pedido era somente a inelegibilidade, foi colocado o número de 2923; e na ação de n° 2923, cujo objeto era a cassação do diploma e multa, foi colocado o número de 2922.

Diante disso, em requerimento de n° 52/2010, esta Procuradoria Regional. verificando algumas destas falhas impeditivas da análise dos recursos, opinou pelo desmembramento dos autos e pela redistribuição da presente Representação nº 2922, por entender que não haveria necessidade de conexão, pedido este que foi acatado pelo relator.

No entanto, após o desmembramento e redistribuição dos processos, percebe-se que ainda restaram obstáculos à correta análise dos recursos. Em primeiro lugar, percebe-¬se que a inversão na numeração das sentenças gerou outro equívoco, pois os recursos também foram interpostos de maneira invertida. Assim, da sentença que decretou a inelegibilidade, foi interposto recurso contra a cassação de diploma e aplicação de multa. E da sentença que cassou os diplomas dos representados, foi interposto recurso contra a decretação de inelegibilidade.

Ademais, como a instrução foi realizada de forma una, percebe-se que foram juntados elementos probatórios em apenas um dos autos, impossibilitanto a perfeita análise da presente representação n° 2923 de forma autônoma, pois ausente está a mídia de áudio referente aos depoimentos prestados em juízo, assim como também está ausente os termos de depoimento por escrito.

Em decorrência de todas essas dificuldades, e revendo a nossa posição, opina esta PRE pela reunião mais uma vez dos processos, para serem analisados em conjunto, de forma a evitar decisões conflitantes, e para possibilitar a correta análise do conjunto probatório.

Diante do exposto, os processos devem ser redistribuídos ao Juiz Relator Tarcísio Brilhante de Holanda, por conexão à Ação Cautelar nº 779-32.2010.6.06.0000, interposta pelos recorrentes pleiteando a concessão de efeito suspensivo a um dos recursos eleitorais.

Dito isto, uma vez que esta PRE teve a oportunidade de analisar todos os processos em conjunto, já obteve os elementos necessários para a emissão de parecer, motivo pelo qual passamos agora à análise de mérito do processo, objetivando dar celeridade, evitando que retornem novamente os autos a este órgão.

DO CONHECIMENTO

De início. verifica-se a tempestividade do presente recurso eleitoral, haja vista ter sido ajuizado dentro do prazo de três dias, contados da intimação da sentença, conforme previsto na legislação eleitoral.

Na espécie, interposto no dia 24.02.2010. (fls. 351 dos autos referentes a Representação n° 2922), razão não há que impeça o conhecimento do referido apelo, visto que a decisão guerreada fora publicada na mesma data. 24.02.2010 (fls. 344).

MÉRITO

Como visto, cuida-se de recurso eleitoral interposto contra a decisão do Juízo da 53ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a Representação Eleitoral n° 2923/2008 ajuizada em face de Antônio Dorival de Oliveira, Francisco Fenelon Pereira, respectivamente prefeito e vice-prefeito de Altaneira-CE, e Lourival da Silva Bezerra, servidor público municipal, e da Coligação "Fazendo Acontecer", em razão da caracterização de conduta vedada a agente público no pleito eleitoral de 2008.

Acertada nos parece a decisão de primeiro grau.

A Representação Eleitoral em apreço está fundada na acusação de aplicação de recursos públicos em benefício de candidato.

Na espécie, os senhores Lourival da Silva Bezerra e Antônio Dorival de Oliveira são acusados de autorizar/permitir a distribuição de vales de combustíveis, custeados pela Prefeitura de Altaneira, para particulares que participassem de eventos políticos (carreata e comício) dos candidatos Antônio Dorival de Oliveira e Francisco Fenelon Pereira.

Inicialmente, cumpre identificar a legislação eleitoral transgredida pelos recorrentes.

A Lei n° 9.504/97, que trata das condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais, dispõe, in verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não. as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
(...)
III – Ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
(...)
§ 4º O documento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§ 5° os casos de descumprimento do disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.
§ 8° Aplicam-se as sanções do § 4° aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

Analisando os autos, observa-se que a legislação foi violada, basicamente, pelo uso da máquina administrativa, mediante distribuição de combustíveis, custeados pela administração municipal, a correligionários do então prefeito, candidato a reeleição, com fins eleitorais.

Por condutas vedadas, em campanhas eleitorais, deve-se entender as ações praticadas por agentes públicos, servidores ou não, tipificadas na lei, que consistam na colocação da máquina administrativa a serviço de candidatura, desequilibrando a igualdade exigida entre os candidatos.
Da leitura dos dispositivos acima transcritos, percebe-se que o fato imputado aos recorrentes subsume-se perfeitamente à hipótese legal ora grifada, uma vez que. In casu, houve a utilização de dinheiro público em prol de campanha eleitoral de candidato.

Ainda da observância aos dispositivos legais transcritos, depreende-se que tanto os responsáveis pela conduta vedada, quanto aqueles que dela se beneficiaram, sujeitam-se às sanções legais previstas.

Assim, pouco importa se alguns dos recorrentes autorizaram ou não o abastecimento de veículos particulares com dinheiro público ou, ainda, se desconheciam ou não tal fato, bastando apenas que se tenham beneficiado no prélio eleitoral em razão da conduta vedada praticada.

Outro não é o entendimento jurisprudencial, senão vejamos:

DECISÃO
[ ... ]
O Tribunal a quo afastou a prática de conduta vedada, a entender que não houve autorização expressa dos recorridos para a divulgação da publicidade institucional. além de sua inserção, no sítio da prefeitura municipal, ter ocorrido antes do período vedado em lei, apesar de sua posterior permanência. Frise-se, por oportuno, que os recorridos eram candidatos à reeleição para os cargos de prefeito c vice-prefeito.

Ocorre, porém, que a decisão da Corte Regional dissente da orientação atual dessa Corte Superior, segundo a qual basta a veiculação da propaganda institucional nos três meses anteriores ao pleito para a caracterização da conduta prevista no art. 73, VI, "b" , da Lei n° 9.504/97, independentemente de ter havido autorização ou ter sido ela concedida ou não nesse período.

Válido trazer à colação os seguintes precedentes:

"(...) Na linha da atual jurisprudência, é irrelevante a data em que foi autorizada a publicidade institucional, pois a sua divulgação nos três meses que antecedem o pleito é conduta vedada ao agente público, ficando o responsável sujeito à pena de multa no valor de cinco a cem mil UFIRs (art. 73, § 4°, da Lei n° 9.504/97) e o candidato beneficiado pela conduta vedada sujeito à cassação do registro ou do diploma e à pena de multa (art. 73, §§ 5° e 8° da Lei das Eleições)".
...
Ademais, ainda que os agravantes não fossem responsáveis pela publicidade institucional, foram beneficiados com sua divulgação, motivo pelo qual também seriam igualmente sancionados, por expressão previsão do § 8° do art. 73 da Lei n° 9.504/97. (grifos nosso) (TSE, REspe-35517; Pirapozinho-SP; Rei: Min.Marcelo Henrique Ribeiro de Oliveira; DJE- Diário da Justiça Eletrônico, Data 09/11/2009, Página18/19)

RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. USO INDEVIDO DA MÁQUINA PÚBLICA. INAUGURAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO DE CANDIDATA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE NÃO ENTENDEU CONFIGURADA A CONDUTA VEDADA POR PARTE DA CANDIDATA.
1. Nos termos do disposto nos §§ 4º, 5º e 8° do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, tanto os responsáveis pela conduta vedada quanto aqueles que dela se beneficiaram sujeitam-se às sanções legais. (grifo nosso)
2. Recurso especial provido
(TSE, REspe 28.534; São Luís-MA; Rel. Min. Eros Grau; DJE- Diário da Justiça Eletrônico, Data01/10/2008, Página 12)
De outro lado, a nossa Constituição Federal. em seu art. 14, preceitua. in verbis:
§ 9° Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade, e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa. a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder ecônomico ou o abuso do exercício dc função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (grifo nosso)

O legislador constituinte, ao instituir o referido texto normativo, quis proteger a isonomia e a legitimidade das eleições, punindo, por conseguinte, o abuso do poder econômico e político capazes de influir no equilíbrio dos candidatos e na liberdade de votos.

A respeito do abuso do poder político, Adriano Soares da Costa ensina que:

"Abuso do poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato. Sua gravidade consiste na utilização do munus público para influenciar o eleitorado, com desvio de finalidade. Necessário que os fatos apontados como abusivos, entrementes, se encartem nas hipóteses legais de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), de modo que o exercício de atividade pública possa se caracterizar como ilícita do ponto de vista eleitoral" (COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6"ª ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, pg. 530).

Observa-se, assim, que, além de conduta vedada, a acusação imputada aos recorrentes, configura, também, abuso do poder político, uma vez que utilizaram-se dos cargos públicos que ocupavam para beneficiar a campanha política dos então candidatos. Vale dizer, usaram dinheiro público para abastecer veículos particulares, com a pretensão de que seus condutores participassem dos eventos eleitorais de Antônio Dorival de Oliveira e Francisco Fenelon Pereira. E, ao contrário do que aduzem os recorrentes, a distribuição de vales de combustível a particulares, financiada pela prefeitura, restou sobejamente demonstrada no processo, como passamos a discorrer.

DA ANÁLISE DAS PROVAS
Como prova das acusações, faz-se necessário observar os autos da Representação n° 2922, ali constam o material apreendido (fls. 96/102) quando da realização da diligência, no posto de combustíveis, que resultou na prisão em flagrante dos servidores municipais Wellington de Alencar e Lourival da Silva Bezerra, a saber: 55 (cinqüenta e cinco) santinhos do atual prefeito Dourival; 09 (nove) vales de abastecimento com o timbre da Prefeitura Municipal de Altaneira; 02 (dois) vales de abastecimento com o timbre de RPS Petróleo: e 04 (quatro) folhas de formato 'A4' com rota de veículos contendo o nome do proprietário, veículo e a rota a ser percorrida por cada motorista. Além da prova testemunhal produzida em juízo.

Após exame acurado dos autos, pelas provas apresentadas, bem como pelas produzidas em juízo torna-se evidente a conclusão de que os prefalados promovidos. praticaram abertamente a conduta ilegal a eles atribuída.

Os recorrentes alegam que os agentes da Polícia Federal não possuíam poderes para apreender o material probatório, pois não teria sido expedido Mandado de Busca e Apreensão para a diligência realizada no único posto de combustíveis da cidade. Tal alegação não merece acolhimento, pois apesar de não ter sido expedido tal mandado, a apreensão se deu diante de um flagrante delito. Ocorre que, ao chegar ao local, os agentes presenciaram o Sr. Wellington de Alencar abastecendo o seu veículo particular (S-IO) com vales da prefeitura assinados pelo Sr. Lourival da Silva Bezerra, o que motivou a prisão em flagrante dos dois servidores, por corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral). Assim, a apreensão do material colacionado aos autos dispensou a necessidade de mandado de busca e apreensão, em decorrência de ser prova do flagrante delito.
Conforme consta dos autos do inquérito policial referente ao caso (fls 08/24), o Sr. Wellington no momento da prisão apresentou-se nervoso, afirmou não ser funcionário do Município de Altaneira, tentou esconder os citados vales, e não apresentou justificativa para a posse dos mesmos, afirmando que abasteceria seu veículo por conta própria.

De outro lado, o Sr. Lourival confirmou que assinou os vales, dando como justificativa para tal, o fato do bloco de notas do partido ter acabado. Ambos os servidores reservaram-se no direito de permanecer calados no momento do interrogatório pela autoridade policial.

Vale ressaltar que o Sr. Lourival da Silva Bezerra, chefe de almoxarifado do município, atuava também como representante da Coligação "Fazendo Acontecer" na campanha eleitoral; e o Sr. Wellington de Alencar, conforme aponta a própria defesa dos recorrentes, era presidente municipal do PSDB. Assim, também surge a denúncia de que os servidores estariam realizando atividades eleitorais em horário de expediente. infringindo o disposto no art. 73. III, da Lei n° 9.504/97.

É importante observar que no dia da prisão em flagrante ocorreria uma carreata e comício em apoio a candidatura dos recorrentes, e que foi apreendido em posse de ambos os servidores uma espécie de planilha contendo o nome do proprietário, o veículo, e a rota que diversas pessoas iriam realizar buscando eleitores das zonas distantes e trazendo-as para a participação no comício. Fica evidente, que a intenção de abastecer tais veículos deve-se ao fato de possibilitar a participação no comício. Entre os nomes relacionados para a participação no comício, constava também o do próprio Sr. Wellington de Alencar.

Percebe-se então, ao contrário do que alegam os recorrentes, fazendo uma análise percuciente dos diversos documentos colacionados aos autos, que os combustíveis anotados nos vales apreendidos não se destinavam na prática, aos carros oficiais da prefeitura: primeiro porque na maioria dos vales apreendidos não consta nenhuma identificação; em segundo lugar, observa-se vale com o nome do motorista Roberto (fls. 141/142), cujo veículo D-20, consta na relação da rota apreendida, sendo tal fato incontroverso, atestando a ilicitude do fato. Ademais, resta também incontroverso que o Sr. Wellington foi preso em flagrante, na posse de dois vales em branco, abastecendo veículo S-1O particular, que não consta na relação de veículos oficiais apresentados pelos recorrentes.

Enfim, pode-se perceber que a relação de veículos oficiais e prestadores de serviço da Prefeitura Municipal de Altaneira, apresentados pelos recorrentes, não correspondem na totalidade aos dados constantes nos vales apreendidos.
Anote-se que é no mínimo estranho a emissão dos vales de combustíveis para três motos com o mesmo valor, que foram abastecidas com 05 litros de gasolina cada, levando a crer que se trata de uma cota específica para esse tipo de veículo participar do comício.

Some-se a tudo isso os depoimentos da seguinte testemunha:

Testemunha Everado Pinto Camurça¸ autoridade policial presente na diligência ao posto de combustíveis da cidade (testemunha arrolada pelo Ministério Público):

“(...); que em um dos papéis havia uma tabela com locais e veículos;
(...) que durante a abordagem outros veículos adesivados e com equipamento de som chegavam ao posto, sendo dispensados pelo proprietário do posto, que falava que não ia mais abastecer ninguém;
(...) que nas mãos do motorista de Wellington estava também uma lista com nome de pessoas e veículos, inclusive com o nome do próprio Wellington." (grifo nosso).


Face todo o exposto, vê-se que há uma sincronia entre as provas documentais colhidas pelo Ministério Público e os depoimentos prestados em Juízo. Os fatos narrados na exordial de representação convergem com todo o material probatório. A ilicitude cometida no presente caso salta aos olhos de qualquer bom observador.

DA POTENCIALIDADE LESIVA

Inicialmente. insta consignar que a presença da potencialidade lesiva não está, necessariamente, relacionada à ocorrência do nexo de causalidade entre a conduta vedada e o resultado das eleições. A potencialidade lesiva surge, na verdade, quando há forte probabilidade da conduta do candidato ter interferido na normalidade e no equilíbrio do prélio eleitoral.

De acordo com o posicionamento atual e dominante do TSE, na hipótese de caracterização do ilícito eleitoral previsto no art. 73 da Lei n° 9.504/97, se a prática da conduta isolada possuir a força, ou seja, o condão de influenciar na vontade do voto popular ou no tratamento isonômico entre os candidatos, tem-se configurada a potencialidade lesiva.

No entanto, há entendimento jurisprudencial recente no sentido de que não é necessária a presença da potencialidade lesiva para a aplicação de sanções às condutas vedadas do art. 73, da Lei das Eleições, uma vez que a mera prática da conduta presume um potencial para desequilibrar o pleito eleitoral.

Entretando, com o temperamento jurisprudencial pacificou-se o entendimento da necessária análise de proporcionalidade entre a gravidade do fato e a aplicação da sanção. Nesse sentido, vejamos os julgados abaixo:

EMBARGOS DECLRATÓRIOS. AGRVO REGIMENTAL. CONDUTA VEDADA. ELEIÇÕES 2006. AUSÊNCIA DO REQUISITO DE POTENCIALIDADE ELEMENTO SUBJETIVO. NÃO INTERFERÊNCIA. INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO DA PENA. RECURSO PROVIDO.
A vida aclaratória não se presta á rediscussão dos fundamentos do acórdão recorrido. Os embargos de declaração utilizados para esse fim ultrapassam os limites delineados pelo art. 535, I e III, do Código de Processo Civil c.c. o art. 275 do Código Eleitoral.
No caso, não há omissão ou contradição a ser sanada, pois: a) ficou expressamente consignado no acórdão que a configuração da prática de conduta vedada independe de potencialidade lesiva para influenciar o resultado do pleito, bastando a mera ocorrência dos atos proibidos para atrair as sanções da lei; b) o elemento subjetivo com que as partes praticam a infração não interfere na incidência das sanções previstas nos arts. 73 a 78 da Lei n 9.504/97; c) afastada a insignificância, pois, utilizados o e-mail eletrônico da Câmara Municipal, computadores e servidor para promover candidaturas.
No julgamento do AgRg no Respe 30.787, sessão de 13.11.2008, Rel Min. Fernando Gonçalves, esta c. Corte decidiu pelo não cabimento de sustentação oral no julgamento de agravo regimental, ainda que este esteja provido para apreciação do recurso. No caso, portanto, não há se falar em violação ao contraditório e ampla defesa.
Embargos de declaração rejeitados. (TSE – EARESPE 27896 – SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP – 10/12/2009M- Relator(a) FELIX FISHER)

Agravo regimental. Representação. Conduta Vedada. Art. 73, V, da Lei nº 9.504/97
1. A dificuldade imposta ao exercício funcional de uma servidora consubstanciado em suspensão de ordem de férias, sem qualquer interesse da administração, configura a conduta vedada do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, ensejando a imposição de multa.
2.  A atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, quanto ao tema das condutas vedadas do ar•t. 73 da Lei das Eleições, afigura-se mais recomendável a adoção do princípio da proporcionalidade e, apenas naqueles casos mais graves em que se cogita da cassação do registro ou do diploma é cabível o exame do requisito da potencialidade, do modo a se impor essas severas penalidades.
Agravo regimental desprovido. (TSE – AgRa – AI 11207 – NANUQUE/MG – 17/11/2009 Relator(a) ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES.

No caso dos autos, fica claro que a utilização abusiva de combustíveis custeados pela prefeitura para agraciar os eleitores que participassem de eventos políticos dos candidatos ao cargo de prefeito e vice-prefeito de Altaneira, então recorrentes. comprometeu, consideravelmente, a isonomia da disputa eleitoral, porquanto potenciais eleitores, se viram estimulados a participar da campanha dos recorrentes e, consectariamente. a elegê-los.

Não é nenhuma novidade que, nas cidades interioranas do Estado do Ceará, a maioria dos eleitores são pessoas humildes c totalmente influenciáveis. Qualquer vantagem oferecida àqueles, já influencia, e muito, na escolha do seu voto. E, num município como Altaneira, que possui um eleitorado diminuto, qualquer benefício oferecido aos eleitores, por menor que seja, já repercute fortemente nas intenções de voto.

Tendo isso em vista, resta comprovado que a conduta vedada praticada pelos recorrentes teve potencial lesivo para desequilibrar a disputa eleitoral, razão pela qual se mostra proporcional a cassação dos diplomas dos candidatos eleitos, bem como a imposição de multa a todos os recorrentes.

CONCLUSÃO

Ante as razões elencadas acima, imperiosa é a conclusão no sentido da configuração da conduta vedada narrada nos autos, conduta esta que configurou abuso de poder político com potencialidade de afetar a normalidade e legitimidade do pleito eleitoral de 2008 no Município de Altaneira, fato que consubstancia o pleito de procedência de ambas as representações eleitorais (nº 2922 2 nº 2923), e a manutenção das duas sentenças guerreadas.

Isso posto, opina o Ministério Público Eleitoral pela reunião dos autos das Representações nº 2922 e 2923, reconhecendo a conexão entre as ações, e quanto ao presente recurso eleitoral, opina pelo seu CONHECIMENTO, porque tempestivo, e, quanto ao mérito, pelo NÃO PROVIMENTO.

É o parecer.

Fortaleza, 6 de julho de 2010.


Alessandro Wilckson Cabral Sales
Procurador Regional Eleitoral

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