15 de novembro de 2010

Caminhada da Seca em Senador Pompeu


Mais uma vez o martírio de milhares de retirantes no flagelo da seca de 1932, no Sertão de Senador Pompeu, foi relembrado na manhã de ontem. Cerca de seis mil fiéis partiram da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores, no Centro desta cidade, com destino ao campo santo da barragem do Açude Patu. Ainda era madrugada quando o padre Roberto Costa anunciou o início da 28ª Caminhada da Seca. 

A maioria, vestidos de branco, pagava promessas e todos exaltavam as santas almas do povo, como ficaram conhecidas as vítimas da fome e da cólera, enterradas em covas coletivas ao lado da barragem, transformadas em milagreiras através do imaginário popular.

Como nos anos anteriores, homens se revezavam carregando na cabeça a maquete de uma cisterna de placa. Além do ato religioso, o reservatório domiciliar se transformou no símbolo da redenção do infortúnio sertanejo, a seca. Ao lado do agricultor, o padre Roberto Costa, responsável pela mobilização pastoral, guiava o rebanho humano pela sinuosa estrada do Santuário da Seca. Missionárias empunhavam faixas exaltando a caminhada e a luta do povo de Deus pela vida e cidadania. Logo atrás a multidão gritava em coro: "As almas do povo são o santo do povo!".

Enquanto o cortejo invadia a estrada sinuosa com destino ao santuário da barragem, uma das últimas sobreviventes do campo de concentração, dona Luiza Pereira Lô, aguardava diante do cemitério das Almas do Povo o início da celebração religiosa, realizada, tradicionalmente, naquele local. Apesar dos 93 anos, lúcida, não se afobava em relatar o seu testemunho sobre o sofrimento de quem não sobreviveu no curral da fome, como o lugar também ficou conhecido. "Ali, muita gente era mantida para não invadir e nem saquear as cidades", apontava ela para a represa logo abaixo. O restante do seu testemunho ela registrou para a multidão no início do culto religioso.

Acompanhado do bispo diocesano de Iguatu, dom João Costa, o pároco de Senador Pompeu convidou a sobrevivente para subir na plataforma onde a missa foi celebrada. Comovidos, muitos começaram a chorar. A costureira Maria do Socorro de Oliveira não se conteve ao ouvir o relato compassado de Dona Luiza, lembrando o sofrimento de sua família e de sua irmã nascida ali. Eles haviam caminhado mais de sete léguas, fugindo de miséria pior no Sertão dos Inhamuns. Embora pequena, entendia e sofria com eles. O pai se enterrou ali, a irmã também.

2,5 mil é o número estimado de retirantes mortos no campo de concentração do Patu, entre homens e mulheres, crianças, adultos e idosos. As vítimas são lembradas todos os anos


Início da Romaria

1932 foi o ano de grande seca no Nordeste. Em virtude desse fenômeno milhares de sertanejos, retirantes, seguiram de diversas regiões para Senador Pompeu, em busca de trabalho e comida. Para não invadirem e saquearem as cidades, foram mantidos no canteiro de obras da barragem do Açude Patu. Ficaram presos a uma vida verdadeiramente sub-humana.

Em 1982, é iniciada a romaria ao Santuário da Seca, cemitério da barragem do Patu, iniciativa do padre Albino Donatti. A ideia da Caminhada surgia em razão de reverenciar os mortos no mês de novembro, e, portanto, o segundo domingo deste mês foi escolhido pelo sacerdote para reverenciar os mortos anônimos da seca de 1932.

No ano de 1987 foi realizada uma manifestação popular de protesto em favor das comunidades do Patu, Carnaúba dos Canudos e Carnaúba dos Marianos, cujos moradores ficaram completamente isolados pelas águas do açude. O movimento foi encabeçado pela Paróquia e pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio Conselheiro (CCDH), sendo o Dnocs obrigado a construir estradas.

Somente no ano de 1988 são concluídas as obras do Açude Patu, quase 70 anos depois.

Diretamente envolvido com os movimentos sociais e culturais de sua terra natal, o advogado Valdecy Alves resolveu pesquisar uma das passagens mais dolorosas da história de seu povo, o sofrimento de milhares de flagelados no campo de concentração da barragem do Patu. 

Nas suas pesquisas Valdecy Alves constatou que o Campo de Concentração do Patu era um dos maiores do Ceará, com 16.221 flagelados. Naquele ano de 1932 haviam outros cinco no Estado: Carius, com 28.648; Buriti, no Crato, com 16 mil; Ipu, com 6.507; Quixeramobim, com 4.542 e mais dois em Fortaleza, o do Urubu e o do Matadouro Modelo, juntos somando 1,8 mil retirantes. O Campo do Patu, começou a ser construído em abril de 1932. Diariamente eram mortos 30 bois, consumiam-se 80 sacos de farinha e 40 sacos de feijão.

Senador Pompeu tinha posição privilegiada no sertão Central e foi um importante centro comercial. A estrutura era composta por vários casarões e armazéns, e o trem conseguia chegar até lá. Sendo fácil tanto transportar flagelados como provisões. Por fim, lá houve a maior quantidade de mortos. Tamanho foi o sofrimento, que as almas foram santificadas pelo imaginário popular.

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