Niède Guidon é uma arqueóloga franco-brasileira conhecida mundialmente pela defesa de sua hipótese sobre o processo de povoamento das Américas e por sua luta pela preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí.
Nascida em Jaú, no interior do estado de São Paulo, em 12 de março de 1933, filha de pai francês e mãe brasileira, Niède Guidon possui dupla nacionalidade, tanto a francesa quanto a nacionalidade brasileira. Graduada em História Natural pela Universidade de São Paulo (1959), especializou-se em Arqueologia Pré-histórica, com ênfase em arte rupestre, na Universidade Paris (1961-1962), e obteve o seu doutorado em Pré-história, pela mesma universidade (1975), com a tese intitulada Les peintures rupestres de Varzea Grande, Piauí, Brésil, sob a orientação de André Leroi-Gourhan.
A
primeira notícia sobre o que viria a ser o Parque Nacional da Serra da Capivara
chegou a ela em 1963, numa exposição de pinturas rupestres de Minas Gerais,
realizada no Museu do Ipiranga. Lá, ela recebeu a visita do prefeito de
Petrolina, que lhe falou da existência de pinturas semelhantes, no Piauí, na
região de São Raimundo Nonato, no sítio arqueológico de Coronel José Dias - a
cerca de 525 km de Teresina. Porém, já em 1964, pouco depois daquele encontro,
Niède teve que sair do Brasil. Ela conta:
"Eu
era da Universidade de São Paulo. E tinha uma tia que tinha um amigo que era
general. Um dia ele telefonou para ela e disse: 'A Niède tem que ir embora hoje
porque ela vai ser presa'. Minha tia foi ao meu apartamento, me botou no avião,
e eu fui embora. Não foi só comigo que aconteceu. Na época, pessoas que não
tinham passado no concurso para professor da USP, que tinham ficado em segundo
ou terceiro lugar, denunciaram os colegas que tinham sido aprovados para ficar
com o lugar deles. Foi isso que aconteceu".
Ela
somente conseguiria visitar o Piauí em 1973, depois de ter estado cerca de oito
anos fora do Brasil, lecionando na École des Hautes Études en Sciences
Sociales, em Paris. Em 1978, ela convenceu o governo francês a
estabelecer uma missão arqueológica para estudar a pré-história no Piauí. Em
entrevista concedida ao Museu da Pessoa, Niède relata todo o processo:
“Quando eu cheguei na França, aquilo do Piauí tava na minha cabeça. Assim que pude, organizei uma ação francesa pra São Raimundo Nonato pra tirar a limpo o que eram aquelas fotos que tinham me mostrado. Se via que era algo completamente diferente de Minas Gerais. Fiz um pedido ao CNRS, que é o Centro Nacional da Pesquisa Científica, corresponde ao CNPq brasileiro, fiz todo um levantamento do que já se sabia do Brasil, mostrei que era uma região sem nenhuma pesquisa, sendo necessário ir até lá. Tive o apoio dos meus professores e consegui a verba francesa. Meus colegas da Universidade de São Paulo, que tinham ficado, também foram me encontrar. Foi uma missão, desde o começo, franco-brasileira. Éramos em três: Silvia Maranca, Luciana Pallestrini e eu”.
Volta então ao Brasil (com passaporte francês), integrando a Missão Arqueológica Franco-Brasileira, uma iniciativa do Museu de História Natural de Paris para desenvolvimento de projetos de arqueologia. Até sua aposentadoria como docente, Niède Guidon seria a líder da missão, composta por pesquisadores nacionais e internacionais e assistentes de campo locais. Depois disso, a seu convite, Eric Boëda, pesquisador do CNRS e professor da Universidade de Paris, sucedeu-a na liderança.
Também em 1978, ela e outros pesquisadores solicitaram ao governo brasileiro a criação de uma área protegida na região da Serra da Capivara. O Parque Nacional da Serra da Capivara foi criado em 1979, abrangendo uma área protegida pela UNESCO.
"Escrevi
para o governador do Piauí [Dirceu Arcoverde], pedindo a criação do parque.
Quatro anos depois, [em 1979,] foi criado, por um decreto do Figueiredo. Eu
conhecia os sítios de arte rupestre da Europa e da África e vi a importância
dos sítios daqui - a diferença que existia em relação aos outros. Então, fui falar
com o Itamaraty e com a UNESCO. Primeiro, com o Itamaraty, dizendo que
precisava pedir à UNESCO para que [o parque] fosse [declarado] patrimônio
mundial. O Itamaraty me deu um passaporte de embaixador para eu ir à UNESCO. Na
primeira apresentação, o pedido foi aprovado e, em 1991, o parque foi declarado
Patrimônio Cultural da Humanidade".
Foi também diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano, sediada em São Raimundo Nonato, e hoje é presidente emérita.
Como arqueóloga chefe, Guidon foi responsável pela preservação, desenvolvimento e gerenciamento dos projetos arqueológicos do Parque. Ela e seus colegas descobriram mais de 800 sítios pré-históricos, que contribuíram para esclarecer o processo de povoamento das Américas. Desses sítios, mais de 600 contêm pinturas. Em Pedra Furada, ela e seus colegas escavaram um sítio arqueológico de arte rupestre para descobrir evidências de uma cultura paleoamericana que eles acreditam ser de c. 30.000 anos A.P., datação muito mais antiga do que a preconizada por teorias anteriores acerca dos primeiros habitantes na área. Niède registrou mais de 35.000 imagens arqueológicas e publicou inúmeros artigos e livros.
A Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara
Suas descobertas vieram à tona pela primeira vez em 1986, com uma publicação na revista britânica Nature, na qual ela afirmou ter descoberto lareiras e artefatos humanos datados de c. 32,000 A.P. Embora a datação tenha suscitado controvérsia, Guidon e seus colegas mostraram que a área foi ocupada por culturas de arte rupestre paleoamericanas e arcaicas - culturas que subsistiram com base na caça e coleta. Em 1988 ela iniciou uma parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), para facilitar a continuação de suas escavações.
O mais famoso sítio pré-histórico estudado por Guidon é a Toca do Boqueirão da Pedra Furada, no parque da Serra de Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí. Pedra Furada é um abrigo rupestre com 17 metros de profundidade; suas paredes são pintadas com mais de 1.150 imagens pré-históricas. Ali, Guidon encontrou milhares de artefatos que poderiam sugerir trabalhos manuais humanos - incluindo uma estrutura semelhante a uma fogueira, formada por troncos e pedras - que ela estima datarem de 48 700 anos A.P.
Ela acredita que humanos chegaram ao Brasil há
cerca de 100 000 anos, provavelmente de barco, provenientes da África.
Os restos vegetais e animais recuperados dos níveis de c. 10 000 anos desse sítio e de níveis comparáveis de outro abrigo rochoso na Serra, o sitio de Perna, mostram que a área era mais úmida e mais florestada do que hoje. Todavia, o geoarqueólogo Michael R. Waters, da Universidade A&M do Texas, observou a ausência de evidências genéticas, nas populações modernas, para apoiar a reivindicação de Guidon.
A
hipótese mais aceita, atualmente, sobre a chegada de humanos à América é a da
passagem pelo Estreito de Bering - embora haja outras menos populares. Por
exemplo, a hipótese da passagem pelo Oceano Pacífico, que afirma que essas
migrações, em direção às Américas, teriam vindo da Austrália, passando pelas
ilhas - que eram então mais numerosas, em razão do nível do mar mais baixo.
Niède Guidon adere à segunda hipótese, além sustentar a hipótese de que os
primeiros povoadores vieram pelo Atlântico, provenientes da África, o que
explicaria vestígios datados de até 58 000 anos.
Quando cheguei aqui e andava por aí, ainda havia índios que viviam escondidos onde hoje é a área do parque, nos anos 1970. Muitos índios tinham sido assassinados pelos brancos na região. Eu vi esses índios e observei que as características deles eram africanas. Não tinham nada de asiático. O homem daqui veio da África. Na Bahia, hoje, também já tem sítios com vestígios de características africanas. Também na América do Sul foram descobertos sítios, e está comprovado que os primeiros homens que chegaram aqui vieram da África. No México, faz uns dois anos, descobriram um esqueleto de uma jovem de 17 anos; fizeram exame de DNA e descobriram que ela tem DNA africano e asiático. Os africanos chegaram aqui, pelo Nordeste, e os asiáticos, por Bering.
Os achados arqueológicos de Guidon levam a crer que o povoamento do continente americano tenha-se dado muito antes do que se supõe. Enquanto a hipótese mais aceita, acerca do povoamento das Américas, postula que os primeiros humanos chegaram no continente há 15,000 anos, alguns dos sítios arqueológicos estudados por Niède contêm artefatos que datam de até 58 000 anos AP. O problema dessa hipótese é que muitos dos artefatos (produtos do trabalho humano) encontrados por Guidon e sua equipe são considerados geofatos (produtos da ação de forças naturais) por alguns estudiosos.
Os arqueólogos se dividem quanto à questão: alguns aceitam as evidências arqueológicas sem contestá-las; outros pensam que elas não são sólidas o suficiente para derrubar as antigas hipóteses. Em 2006, divulgaram-se os resultados das pesquisas de Eric Boeda, da Universidade de Paris, e Emílio Fogaça, da Universidade Católica de Goiás, segundo os quais os objetos achados por Niède, em 1978, no Boqueirão da Pedra Furada, foram realmente feitas por seres humanos e são datados de 33 000 a 58 000 anos, contrariando hipóteses anteriores.
Embora sua hipótese tenha lacunas, o acúmulo de evidências arqueológicas tende a fortalecer cada vez mais suas hipóteses. Seu trabalho resultou na descobertas de mais de 1 300 sítios arqueológicos e de centenas de fósseis, na região da caatinga brasileira.
Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
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